4 de dezembro de 2018

A Pensar Alto... Os PRs. Percursos de Arouca

Naquela manhã Adriano integrava pela primeira vez um grupo de caminheiros em busca do cansaço físico que as semanas sedentárias fazem pensar que não existe. Viu, já nem se lembra onde, o anúncio desta saída e como há muito tempo já não calcava estas terras, serviu lhe isso de pretexto e desculpa, e cá ia ele. A inscrição não tinha tido dificuldades e manhã bem cedo despediu se dos miúdos e da mulher, atarefada com imensas coisas, meteu-se no carro e com ar de filho pródigo, rapidamente passou aquela distância que tem alturas demora tanto, e deu de caras com o local de partida que tão bem conhecia e que ao aproximar se, fez muitas recordações aproximarem-se também. Ali para os lados de Moldes, uma bela freguesia do nosso Concelho, Arouca, que desta maneira ele podia visitar e revisitar como era o caso. Já não vinha por estas bandas desde o casamento daquele primo com quem brincara em criança e que tanto insistira tê-lo presente. Teve que vir pois a vida não andava nada fácil e pensou que o alento dos ares de infância desse uma ajuda. E deu. Agora, tempos depois, cá estava de novo. Fazer o PR, nome de um percurso a pé, por caminhos antigos e dificuldades quase esquecidas. Já ouvira falar muito dos Passadiços do Paiva mas pela distância ficou se desta vez por este percurso, menos falado mas quem sabe a merecer os mesmos elogios. Numa tentativa de não deixar morrer e valorizar a região tentando que as recordações, o sacrifício pelo esforço, a busca incessante de novas sensações e a teimosia de muitos habitantes colaborassem em conjunto, a Câmara fazia a divulgação de um passeio-aventura, através de um percurso, agora chamam-lhe assim, sinalizado de longe em longe com pequenas placas e risquinhas as cores, com vários guias que não deixavam ninguém perder-se pelo caminho e até com oferta de garrafas de água e um mata bicho à moda antiga. E lá ia ele pelo PR número tal e coisa, não se lembrava bem do número, misturado com novos turistas curiosos, caminheiros quase profissionais, amantes da natureza esforçados em recuperar velhos lugares, saudosos das gentes e dos lugares que não regressam, e alguns como ele num roteiro de lembranças, a calcar caminhos muito antigos que muitas histórias teriam para contar. Já tinham sido as artérias de uma economia agrícola que se espalhava por todo o Concelho e assentava em pequenos transportes de pessoas e mercadorias em carros de bois, fosse o mato que vinha do monte, o bagaço que iria no alambique transformar se em aguardente, doce e forte, e até o estrume que o gado levava do seu próprio curral para fertilizar as pequenas leirotas todas muito aproveitadinhas. E os turistas sem saberem de nada disto, preocupados em aproveitar o ar puro, dar uma espreitadela pelas paisagens, lindas de perder o fôlego, ouvir a música ondulante de mais que um rio, ou se possível rever algum costume já abandonado. E sempre a caminhar, como se fossem a fugir de algum lobo que estivesse à espreita destes tão variados capuchinhos. Por estas razões ou outras o grupo era numeroso, as conversas tinham um espaço pequeno mas lá apareciam para passar o tempo, e todos iam cansados mas felizes. E queriam era mais percursos, mais caminhadas, como se fosse possível estes momentos serem o melhor remédio, se calhar são, para mais uma temporada de stress, competições, correrias, zangas, apitadelas, reclamações, faltas de tempo, angústias pelo futuro e muitas mais questões que são agora o dia a dia da maioria. A busca da felicidade, numa tentativa em alguns casos, de recuperar ao mesmo tempo a agilidade passada. As horas foram por isso ligeiras, de repente estavam todos de novo no já familiar local de partida, uns tiravam fotos, outros davam se os parabéns por esta conquista de lutar contra o seu descanso, outros trocavam até números de telefone e combinavam mais e mais saídas numa sofreguidão de quem quer abranger o céu com as pernas. Que bela ideia esta de recuperar os velhos caminhos. Que belo percurso este. Todos a aproveitar os PRs. A nossa terra tem para aí uma dúzia deles, e segundo por lá ouviu, nenhum é igual ao outro, os motivos da visita são sempre diferentes, mas os olhos ficam sempre esbugalhados. Adriano para tudo olhou, recordou o tempo das botas enlameadas, das escorregadelas naquelas pedras tão incertas, do resfolegar dos touros e da vara que lhes dava força, dos cantos que se ouviam ao longe misturados com o ruído cantante do carro de bois. Imaginou os moinhos e viu a brancura da farinha a aparecer nas mós tão redondas. Num repente sentiu o tempo andar para trás, soltou uma lágrima de saudade que lhe fugiu sem contar, logo envergonhado se despediu e continuou a sua vida. Apesar de tudo tinha sorte e continuava a ser feliz. Tinha pessoas que muito amava à sua espera. Mas antes de partir ainda tomou mais uma providência, queria fazer outros PR. Arouca não tinha só os Passadiços. Diferentes mas elegantemente belos os percursos podem ser concorrentes de peso. Arouca pode esperar por ele de novo, agora com toda a família e vai falar com os amigos. Foi embora como todos os outros, mais preparado para a rudeza da vida, alma cheia. Arouca tem sempre novas surpresas. Que sorte ter vindo!