30 de novembro de 2020

Câmara Municipal incentiva e premeia a defesa, preservação e valorização de património por privados e particulares

Não é verdade, mas podia e devia ser. Com efeito, urge mudar o paradigma de relacionamento das autarquias, Câmara Municipal e Juntas de Freguesia, com os privados e particulares detentores e proprietários de sítios, edificações, elementos e objectos de reconhecido valor e importância histórica.

Não se pode mais estar à espera que os privados e particulares não façam o que não devem fazer, agindo apenas nos casos em que já quase nada se pode para evitar prejuízos e perdas, quantas vezes irreparáveis e insubstituíveis. É preciso inverter esta lógica de agir apenas em situações de prejuízo e perda, passando a incentivar, acompanhar e premiar quem valoriza e faz bem.

Se é possível e meritório premiar o efémero, temporário e imaterial, como acontece, e bem, em vários domínios e contextos, vale a pena pensar em premiar também o perene, duradouro e material. O património privado e particular ou classificado sito em propriedade privada, com importância, significado e valor para a nossa memória e história individual e colectiva.

Não estivesse já o património incluído nas atribuições do município e particularmente da Câmara Municipal em articulação com as freguesias, com vista à promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respectivas populações, se é possível incentivar e promover, por exemplo, a criação de raça arouquesa por privados e particulares, sê-lo-á mais ainda incentivar e promover a preservação e valorização de bens com reconhecido valor histórico e patrimonial.

Talvez assim, só assim, se consiga inverter uma alegada incapacidade da Câmara Municipal e Juntas de Freguesia em sensibilizar, protocolizar e assegurar modos de salvaguarda e divulgação de património privado e particular ou património classificado sito em propriedades particulares, impedindo danos, destruições e perdas irreparáveis e permitindo ao mesmo passo a fruição, mais próxima ou mais distante, por terceiros.

Com a implementação de um prémio desta natureza, criava-se um momento anual, - que poderia ser no Dia Internacional dos Monumentos e Sítios -, também para divulgação e incentivo de boas práticas, servindo ao mesmo tempo para condenar práticas em sentido diverso e sair deste marasmo recorrente em que, face a danos, destruições e perdas, alegadamente, nada se pode fazer.

28 de novembro de 2020

Senti tristeza com a surpresa que tive

 





Há algum tempo que não escrevia neste blog, por diversas razões que à direção já expliquei. Voltei a fazê-lo porque numa destas minhas ultimas voltas habituais que realizo de BTT pelas estradas e trilhos do concelho, deparei-me com uma situação que me deixou bastante triste. E que certamente, não só a mim deixará.

No lugar da Povoa, em Moldes, existia uma casa, velha, desabitada, mas ainda em pé que fazia as minhas delicias sempre que por ali passava. Até acho que a fotografava sempre que lá passava. Fazia-o por tudo. Pela lição de história que esta nos dava. Pela lição de engenharia que era. E mais que tudo, um património arquitetónico que deveria ser cuidado e preservado para a tão necessária memória futura.

A varanda desapareceu. A casa foi amputada. Foi como se lhe tivesse cortado um “membro”. Não mais será a mesma. Seguramente, não voltará a ser fotografada pelas pessoas que percorrem aquele Percurso pedestre que por ali passa.

Decerto, e salvaguardo desde já, que este ato foi feito seguramente feito com a melhor das intenções. O propósito de quem o fez foi para si o melhor. Possivelmente, a dezena de carros que passa por aquele sitio por dia pode agora passar mais depressa. Mas a casa essa nunca mais será a mesma e é de facto uma enorme perda para o local e para todo o património arquitetónico municipal.

Em resumo a mensagem que quero deixar com este texto é apenas no sentido de apelar para que existam cuidados na salvaguarda do património arquitetónico e que se evitem a realização de atos como este. Lembrar que tal como as pessoas são os mais velhos que têm mais para nos ensinar.   

26 de novembro de 2020

A Pensar Alto! "Às vezes dá vontade de desistir"

O meu pai, quando se metia em tarefas com grau de dificuldade que exigiam mais do que o expetativa, olhava em redor e soltava sempre esta frase “Às vezes dá vontade de desistir”. Mas funcionava exatamente ao contrário e nunca o vi desistir ou ter medo de não concluir qualquer tarefa ou projeto. Não era um homem alto, pelo contrário, não tinha grande robustez, mas disfarçava esta caraterística com uma enorme capacidade de superação e inteligência. Era um homem sem medos e estava sempre preparado para os desafios mesmo que lhe viesse aquela vontade de parar e ir para outro lado. Medo talvez só tivesse quando via o Eusébio passar o meio campo nas Antas e preparar se para o remate contra o nosso Porto, aí ficava nervoso e passava lhe pela cabeça algum receio, mas nada que lhe fizesse perder o apetite. Também é de assinalar que tinha sempre um filho de cada lado e esse aconchego era, tenho quase a certeza, o que lhe dava aquela força que gostava de demonstrar mesmo nos momentos de aperto. Se algo faltasse ia buscá-lo ao amor imenso pela minha mãe, era um belo e enamorado casal que sempre de mão dada nunca desistiu e soube enfrentar o bom e o mau com a cumplicidade que se cola à pele nos casos de puro amor. Mas não quero prosseguir pelo baú das recordações, senão o tema era inesgotável e nunca lhe conseguiria demonstrar o amor que por ele tinha, fica para dias de mais tempo, sem estas nuvens que tiram a alegria e trazem a chuva e a melancolia. Um dia destes, quero escrever sobre ele e relembrar a muita alegria que nos ensinou, não o contrário. A frase que o ouvi repetir algumas vezes e deu nome ao artigo é nestes dias o que muita gente pensa e muita gente repete. "Às vezes dá vontade de desistir". Os dias vão prosseguindo, com as vidas  alteradas, as noites são pensativas e as manhãs e tardes lá se vão misturando com os humores das informações, os contatos permanentes dos mais chegados e os suspiros que são agora utilizados nos momentos de maior angústia. Dá vontade de desistir. Mas aguentados estes meses, estamos mais preparados, se isso é possível, para atirar estes pensamentos para trás das costas e com aqueles entusiasmos que andávamos a poupar para um acontecimento especial, ganhar força atrás de força, e o desabafo gerar precisamente o oposto, desistir nunca. O Mundo e a vida continuam a ser belos. A nossa vida era como um brilhante puzzle com as peças certas, quase pronto e pouco por encaixar. Agora estão todas espalhadas por aí, mas o importante é não as perdermos de vista porque mais cedo ou mais tarde vamos acabar por completá-lo de vez, e orgulharmo-nos com o resultado. Numa qualquer pintura de gosto refinado, o preto nem sempre é sinal de tristeza, a ausência de cor mostra é que há mais cores, que como os raios de sol, nem sempre são iguais, mas vale a pena lutar por elas. O Mundo e a vida continuam a dar nos vontade de respirar, pelo menos para que continuemos com vontade de o melhorar, e bem preciso é. Somos muitos tentados em desistir, mas somos muitos mais a seguir o exemplo que gosto de seguir e o meu pai me ensinou, enfrentar com toda a nossa energia este mar de contrariedades que não contávamos encontrar nesta fase da vida. Todos temos como ele teve, ao nosso lado, quem nos dê a força bastante. Nós os mais velhos, acreditamos que mesmo que nem tudo vá ficar bem, não há de ser culpa nossa por  não termos contribuído com as nossas energias e os nossos conhecimentos. Todos, quando isto terminar, terão de ver  o prometido arco-íris, que hoje, todas as crianças sabem desenhar, com os olhos a deitar fora por  um futuro de coloridos. Não adianta repetir, dá vontade, isso dá, mas ainda vamos  a tempo de ver muitos arco-íris.

O confinamento quase me fez desistir de continuar a escrever, os assuntos desapareceram esmagados só por um, as conversas são mais rara, as paredes parecem mais fechadas, as luzes têm um brilho de quase noite, mas não desisto. Desculpem o desabafo. Vamos em frente, lavar as mãos, estar à distância e a de máscara como óculos, sempre presente... Fiquem bem!

24 de novembro de 2020

Preocupo-me muito com Arouca e com os Arouquenses...

Em diálogo, por «e-mail», com dois dos colaboradores deste blogue «Defesa de Arouca», afirmei-lhes que me preocupo muito com a evolução de Arouca e dos Arouquenses...Quero que evoluam bem, no padrão ético e identitário são e correcto...É um sentimento espontâneo e congénito que, aliás, existe em qualquer arouquense (natural, residente ou espalhado pelo País ou pelo Mundo) que ame, verdadeiramente, Arouca e a sua identidade...Quando, neste blogue, expus, de modo muito insistente e muito repetido, a forte e muito consolidada ligação de Arouca ao Porto e à denominada área do 'Grande Porto' foi apenas para, em termos sociológicos, demonstrar factos sociais, óbvios e claros...Porque é importante que as pessoas exógenas ou que não conhecem Arouca saibam bem onde, de facto, Arouca, em termos ontológicos, se enquadra e sempre se enquadrou, em termos identitários e endógenos: no Entre-Douro-e-Minho e na Região do Norte, bem como na actual Euro-região Galiza-Norte de Portugal, no antigo distrito do Douro, no Douro Litoral, na Bacia e Região Hidrográfica do Douro e na actual Área Metropolitana do Porto. Que têm o Porto como capital, que sempre foi «a principal cidade central de referência para Arouca e para os Arouquenses»...
Porque é muitíssimo irritante ouvir-se, a todo o momento, nos «mass media», apelidar, de modo muitíssimo errado, os Arouquenses de «Aveirenses» ou «os de Aveiro». Visto que, comum com Aveiro, os Arouquenses têm apenas uma mera e absurda inserção burocrática, a partir de 1835, no distrito de Aveiro (que é apenas um (muitíssimo arbitrário e artificial, neste caso específico), entre outros, recortes administrativos e territoriais que existem no Estado português), numa altura em que os actuais distritos (que vão ser extintos, conforme aquilo que é previsto na Constituição da República Portuguesa) já pouco ou quase nada representam, como realçou, há uns tempos atrás, o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira.
Preocupo-me muito com a evolução de Arouca e dos Arouquenses...Quero que evoluam bem, no padrão ético e identitário são e correcto. E, assim, agora, aproveito para dedicar, a Arouca e a todos os Arouquenses, esta belíssima 'Tirana' do Conjunto Etnográfico de Moldes (cantada, de modo genuíno, pelo 'velho Samba' e pelo sr. António do Pelote, do lugar de Fuste - Moldes) que, em termos simbólicos, é uma expressão desse pulsar vital da nossa verdadeira identidade e que, por isso, é uma 'moda' e uma dança comum a todo o território nortenho do Douro Litoral, bem como comum ao território nortenho do Entre-Douro-e-Minho, que é o «território berço» da Nação de Portugal... 

21 de novembro de 2020

Trail de São Martinho - saudável e obrigatório

As “Rotas e Trilhos” é o nome do novo programa para promover atividade física que a Câmara Municipal de Arouca desenvolve em parceria com o BTTArouca." 

O Trail de São Martinho é o primeiro trilho desenvolvido  pela organização onde as " folhas de castanheiro, as ribeiras serpenteadas pela água, as levadas até aos moinhos, as cores e nostalgia do outono acompanham os que ousarem calcorrear os bosques e as aldeias encantadas". A primeira parte do percurso que tem a ribeira da Aveneira, desconhecida por muitos, como traço orientador e principal companheira ao longo de uma grande parte do trilho é maravilhoso, inesperado e carregado de surpresas. Preparado para ser feito em modo de exercício ou simples caminhada deveria ser obrigatório para todos os que gostam de descobrir a natureza de Arouca. 

Poderão fazer o percurso em grupo ou sozinhos e podem fazer a vossa inscrição e obterem o trilho e as coordenadas GPS aqui

Excelente experiência de natureza que merece uma forte felicitação a todos os envolvidos.

Eu optei por fazer a solo num final de manhã  antes do almoço uma parte do trilho mas ficou a vontade e o desejo de completar o mesmo quando tiver tempo... e já agora pernas e pulmões.

17 de novembro de 2020

António Hebil, o primeiro fotógrafo de Arouca

Apesar muitos de nós já se terem cruzado com uma ou outra fotografia com a sua marca, não fosse a recolha de Manuel Valério no seu projeto "Contributos para o Futuro Arquivo de Arouca" e dificilmente se perceberia a dimensão e importância dos registos realizados por António Hebil nas primeiras décadas do século passado, deixando aos nossos dias o valioso retrato de muitos arouquenses que viveram nessa época, bem como de muitos aspetos da nossa vila de então.

Pessoalmente, para além de já antes ter visto algumas outras, foi o conjunto de três fotografias da família descendente do último capitão de Rossas, tiradas nos anos vinte, no adro da igreja local, que me suscitou maior interesse sobre o trabalho e o próprio autor, motivado também pela curiosidade sobre o seu apelido, que nos sugere uma ascendência estrangeira.

No entanto, na verdade, o primeiro fotógrafo de Arouca não tinha qualquer ascendência estrangeira, antes pelo contrário. A necessidade de ter adotado tão curiosa alcunha por apelido, à partida sem qualquer explicação que facilmente se descortine, foi comum à de muitas pessoas que, em face de se verem homónimas de ascendentes, padrinhos, parentes ou vizinhos, e, por isso, com elas confundidas ou confundíveis, adotaram alcunhas e apelidos que as diferenciasse, como FilhoJúniorSobrinho..., e alguns outros que deram em apelidos entre nós.

António Hebil, de sua graça batismal António Joaquim Teixeira, no entanto, terá sido um personagem relativamente excêntrico, com uma faceta artística muito vincada, pelo que terá exigido uma alcunha ou apelido à altura. Segundo contava o seu filho Alberto Hebil (que também nasceu em Arouca e se destacou na pintura), seu pai, a certo dia, terá tido a ideia de colocar algumas letras dentro de um saco e ir tirando até compor um nome com o qual simpatizasse, e assim foi tirando… primeiro o H, depois o E, a seguir o B, depois o I, a seguir o L, e…, composta a palavra HEBIL, terá gostado e adotou-a como acrescento ao seu nome de batismo.

Filho de António Teixeira e Maria Emília, moradores no lugar da Ribeira, da vila de Arouca, aonde nasceu em 2 de Dezembro de 1864, António Joaquim Teixeira passou assim a assinar e marcar com Hebil os seus trabalhos, nomeadamente fotográficos, a cuja técnica de revelação não terá sido alheia a experiência como farmacêutico, profissão que exercia em 1892 quando casou com Maria Augusta Leonil Ferreira Pinto, e os ensinamentos do mestre Emílio Biel, que também fotografou entre nós, sendo o alegado autor do retrato em imagem e, entre outros, do icónico retrato da Fiadeira de Arouca. Hebil faleceu em Coimbra, a 26 de Julho de 1946. É de justiça perpetuar-lhe a memória numa das artérias da nossa vila.

14 de novembro de 2020

VII - Soares de Figueiredo, de Canelas

Os Soares de Figueiredo, de Canelas, que associamos a Manuel Joaquim Soares de Figueiredo (1801-1856), bacharel formado em Cânones e antigo administrador de Castelo de Paiva, e, entre outros, aos atuais proprietários da Louseira aí existente, tiveram origem no antiquíssimo lugar do Toural, daquela freguesia.

Com efeito, foi do casamento do capitão José Soares, filho de Manuel Soares e Maria Alves, do lugar do Toural, com Maria Luísa Figueiredo, filha de Francisco Duarte e Luísa Maria Figueiredo, do lugar de Moimenta, freguesia de Cabril, do vizinho concelho de Castro Daire, em finais do século XVIII, que houve a primeira geração do apelido Soares de Figueiredo, composto por sucessiva predominância dos apelidos maternos.

O lugar do Toural era já povoado muito antes dos Soares de Figueiredo, antes até da chegada da primeira Soares ao lugar, ainda no século XVII, proveniente do lugar de Casais, da freguesia de Alvarenga, quiçá até mesmo desde 1201, data em que essa herdade foi doada ao Mosteiro de Arouca. No entanto, foram os Soares de Figueiredo que mais contribuíram para o crescimento e importância da isolada Quinta do Toural.

E tanto assim foi, que a riqueza que por ali se guardava terá sido mesmo motivo de cobiça alheia, até do afamado Zé do Telhado, levando a que os moradores se vissem na contingência de esconder, aparentemente sem sucesso, a fortuna e até a própria família, tendo feito mesmo com que o proprietário de então, João Joaquim Soares de Figueiredo, também escaldado pelas refregas liberais, tivesse deixado a inóspita propriedade e fixado residência no centro da freguesia, com sua esposa e filhos, que ali deram continuidade ao principal ramo da família, sob as bênçãos do padre Manuel Joaquim Soares de Figueiredo.

Dos primeiros Soares de Figueiredo, gerados e criados no misterioso e lendário lugar do Toural, até à geração atual, nomeadamente dos Valério Soares de Figueiredo, contam-se cinco ininterruptas gerações daquele apelido composto, o que permite afirmar que Soares de Figueiredo, de Canelas, é um nome de família originário de Arouca.

Mais nomes de família originários de Arouca

12 de novembro de 2020

Será que, no futuro a médio-prazo, a '516 Arouca' deixará de ser a ponte pedonal suspensa mais longa do Mundo?!

Será que, no futuro a médio-prazo, a Ponte '516 Arouca' deixará de ser a ponte pedonal suspensa mais longa do Mundo?!...Isto, porque, como informa a comunicação social, o município de Torre de Moncorvo pretende ligar, nessa localidade transmontana, as duas margens do rio Douro, através da "maior ponte pedonal suspensa do mundo", prevendo a construção dessa nova ponte com 750 metros, num investimento de cerca de três milhões de euros.
Será que os transmontanos foram buscar a ideia a Arouca?!...
De qualquer modo, isso não significa que a Ponte '516 Arouca' não tenha sucesso garantido, porque, para além de outras inúmeras características positivas, a Ponte '516 Arouca' está enquadrada pelos premiadíssimos Passadiços do Paiva e pelo reconhecido Arouca Geopark.
Quando a nova ponte suspensa de Torre de Moncorvo estiver construída, Portugal terá não uma, mas as duas pontes pedonais suspensas mais longas do Mundo, em plena Região e Bacia Hidrográfica do Douro. É bom para Arouca e é bom para Torre de Moncorvo. É bom para Portugal. 
Até lá, a Ponte '516 Arouca', na nossa querida Arouca natal, será mesmo a ponte pedonal suspensa mais longa do Mundo e terá sempre sucesso garantido, mesmo com a construção da de Torre de Moncorvo.
Ponte '516 Arouca' - Foto: Agência Lusa

8 de novembro de 2020

As associações na encruzilhada do presente

No passado dia 31 de Outubro, assisti, com todo o interesse, a mais uma “conversa digital”, promovida pelo Circulo Cultura e Democracia, desta feita subordinada ao tema “Participação cidadã: o papel das associações”. No final, apesar de aparentemente não ser esse o objectivo inicial, ficou patente a necessidade das associações se unirem, congregando esforços na prossecução de actividades e objectivos comuns.

Talvez tenha sido a primeira vez, desde há pelo menos duas décadas, que um debate sobre este tema, ainda que muito circunscrito ao ponto de vista dos cinco dirigentes de associações que nele participaram e dos próprios organizadores, evidenciou a fragilidade e dependência em que a maior parte das nossas associações se encontra novamente. E novamente porque, embora seja hoje agravado por novos factores, o que está na génese do problema não é novo.

Foi exactamente por se identificarem necessidades de união e cooperação para melhor prossecução de actividades e alcance de objectivos comuns, que há precisamente vinte anos se criou em Arouca uma federação municipal (logotipo em imagem), com vista a congregar todas as associações do concelho, de forma a contribuir para aquele desiderato e, também assim, para o fortalecimento e autonomia de cada uma das associações face ao poder politico.

Entretanto, por vicissitudes próprias, essa federação esmoreceu e desapareceu, e, ao mesmo tempo, cresceu e quase que se normalizou uma certa instrumentalização de grande parte das associações por parte do poder politico, que hoje põe e dispõe das mesmas e suas actividades, ao ritmo das suas próprias necessidades.

Cada uma por si, grande parte com atividade diminuta e na quase exclusiva dependência da atribuição arbitrária de subsídios ou inclusão discricionária na agenda municipal, a maior parte das associações do nosso concelho evidencia hoje estar novamente desguarnecida, fragilizada e muito exposta a uma dependência do poder político que em nada ajudará a tomar rumo na encruzilhada do tempo presente.

O Baloiço e outros segredos

A foto deste texto é de uma estrutura de madeira recentemente instalada no lugar de Palma, na freguesia de Moldes. Uso este baloiço como exemplo para expressar o seguinte: existem inúmeros locais por todo o concelho para usufruirmos e que muitas vezes parecem esquecidos e só passam a  reconhecidos pela população com ações de "marketing turístico". O pensamento subjacente neste particular é o seguinte: o lugar de Palma, a vista que permite ter sobre o bonito vale de Moldes e a envolvência da natureza do local sempre lá estiveram muito antes de instalarem o baloiço. Quantos visitavam o lugar antes? Porquê?

Existem alguns locais em que é necessário e obrigatório a instalação de estruturas para que possamos a eles aceder e usufruir da beleza que apresentam. Neste particular os passadiços do Paiva são o expoente máximo do que afirmo bem como serão algumas zonas da futura ecovia do vale do Arda. Mas existem muitos outros locais que estão aí "à mão de semear" para regalo de todos sem ser necessário qualquer mudança ou instalação de estruturas , e ainda bem.

Arouca apresenta-se e revela-se todos os dias ao nossos olhos. Há que partir à aventura  e à descoberta.

Redescubram os nossos percursos pedestres, por inteiros ou em troços e promovam a sua melhoria e conservação. 

Descubram as margens do Arda a montante da ETAR do vale do Arda. 

Visitem o Marco dos 4 concelhos e descubram o curto caminho pedonal até as margens do Douro.

Descubram a capela de Santo André, em Santa Eulália, provavelmente umas das melhores e desconhecidas vistas do vale de Arouca.

Visitem São João de Valinhas, com as suas escavações arqueológicas completamente abandonadas e promovam e exijam a sua reabilitação.

Descubram as centenas de moinhos de água abandonados por todas as encostas do vale; no meio de silvados, de cursos de ribeiros que muitas vezes nos passam despercebidos.

Poderia estar aqui a escrever de forma extensa tantas são as descobertas ou redescobertas que Arouca nos apresenta sem ser necessário. 

Tenho como objetivo principal deste texto referir que o turismo de natureza  é isso mesmo : de natureza. E que a natureza vale por si só e tem as suas exigências. Com as dificuldades de acesso, com caminhadas duras e ingremes, com pés molhados, pó e maus acessos e por isso mesmo é que muitas vezes vale tanto a pena.

4 de novembro de 2020

Outono, bálsamo para a alma

Entardecer. Hora a que o dia se finda, fazendo descer sobre os mortais aquela doce e branda melancolia que torna mais vívidas as memórias e a saudade.

A vassoura vai-se arrastando penosamente pelo pátio, tentando libertá-lo do manto de folhas que o vento impiedoso ali derramou, e que se aconchegam em montículos, como se quisessem proteger-se do destino que lhes tracei.

Ali mesmo ao lado, no quintal da vizinha, vigoroso, imponente, um velho castanheiro olha-me sorridente, com ar trocista, até, a querer alertar-me para a inexorável circunstância de, dali a breves instantes, as suas folhas, que parecem em queda perpétua, voltarem a atapetar-me o pátio. Mais uma e outra vez. Sempre. Até ao fim da estação. Nem sei porque insisto.

A majestosa árvore, a espreguiçar-se ao embalo do vento, derramando cores quentes e efeitos de luz na placidez da tarde, como me faz lembrar um outro castanheiro que povoou a minha meninice de horas felizes e tranquilas, quando a inocência e a ingenuidade preenchiam os meus sonhos!... O meu velho castanheiro! O meu amigo de outros tempos, à sombra do qual teci mil devaneios de menina, embalando bonecas ou baloiçando-me segura nos seus braços.

Por que razão me acometem lembranças tiradas do baú poeirento onde as tinha guardado tão ciosamente? Será da hora, propícia ao sonho que se solta do peito para se desfazer em nuvens de nostalgia?

Sim, talvez. Mas não só. Pelas narinas entram-me os fortes odores da estação. São os tomateiros, em plena produção, desprendendo os seus eflúvios, que se misturam com os dos limões, ternos e reconfortantes. É o doce das maçãs que se eleva da mãe árvore sempre pronta a presentear-me com o fruto da sua dedicada labuta. São os perfumes inconfundíveis do alecrim e da hortelã, aromatizando o ar que se impregna de intensa frescura.

Nas asas do vento, chega o odor apelativo de uvas maduras das vinhas semeadas pela encosta. No céu, as nuvens enovelam-se e apressam-se, como se quisessem abrigar-se da noite que não tarda a tingir céu e terra de treva. Vá-se lá saber porquê, fazem-me lembrar as vagas agitadas do mar da minha infância. Sinto-lhe a maresia à mistura com os cheiros da montanha.

Os meus pulmões absorvem com sofreguidão e sentem-se reconfortados. A minha alma embebe-se de bálsamos que a elevam a um paraíso que é só dela, deixando-a absorta e desligada de um presente que se escapa a cada segundo e, por momentos, regressa a um passado muito seu.

Hora de reviver o que é tão nosso. Hora em que o dia se esvai de si mesmo e nos deixa um pouco mais sós, resguardados na intimidade do que se foi mas está ainda presente. Tão presente. Sempre. Quanto mais se envelhece, mais presente se torna.

E a vassoura que teima em fazer o seu trabalho. Coitada! Quase se arrasta sozinha, os fios que a moviam estão tão ténues, deixou de ser comandada por mim. Trabalho árduo, o dela.

Eu… eu estou longe, lá atrás, num tempo que regressou trazido pelo vento e pelos odores outonais. Subo nos ares, perdida de riso, com os cabelos ao vento, que empurra o baloiço construído pelo meu pai, feito de canas e corda velha. Pendurado no meu querido castanheiro que, forte, duro, seguro, resiste ao tempo e às minhas lembranças. O meu pai, indiferente ao tempo que passou por ele e por mim, preso entre os limites da memória, continua a talhar cada pedaço de chão do quintal com o infinito amor e dedicação com que o recordo. Agora é ele quem dirige a vassoura, enquanto eu levanto voo no meu baloiço.

O velho castanheiro da vizinha continua a fazer troça de mim. Acena-me com os seus ramos quase despidos. “Cá te espero com a manta de folhas que voltarei a estender para ti, para cobrir-te de ternura”.

Volto ao presente. O meu pai desapareceu do meu raio de visão. Mas continua lá, sorrindo, sei que sim. A vassoura, incansável, desliza por entre as folhas que se espreguiçam no pátio, obrigando-as a acordar, presas nos seus dedos.

O pátio vai-se despindo do xaile de folhas. Por enquanto. Eu vou-me vestindo de saudade. É tão bom sentir saudade!