22 de agosto de 2021

Casa Grande dos Brandão-Malafaia

Embora pareça provocador, o título, como se saberá, é fiel à génese da Casa. No entanto, trata-se, como é evidente, para quem conhece, da hoje simplesmente denominada Casa Grande ou Casa dos Malafaias, sita na antiga Rua d'Arca, atual Rua Dr. Figueiredo Sobrinho, no centro histórico da vila de Arouca.

Porém, sendo possível balizar, com precisão, a curta presença desta linhagem de Malafaias em Arouca e, especificamente, nesta Casa, o mesmo já não acontece com a presença dos nossos Brandões na rua d'Arca e, particularmente, na parte mais antiga daquela; a qual, antes de ter passado aos Malafaias - que depois a ampliaram para Sul e lhe adossaram a capela a Norte -, lhes pertenceu.

Com efeito, é com o casamento de Diogo Malafaia Mascarenhas (avô do erroneamente referido "Alferes Diogo Malafaia"), da freguesia de Várzea, com Antónia de Pinho Brandão, filha de Marquesa de Pinho e Roque Brandão, da freguesia de Rossas, moradores na rua d'Arca, que aqueles "estabelecem" o hífen entre Brandão e Malafaia (simbolizado no passadiço alpendrado entre as duas partes desse singular edifício), que aqueles passam a titular o imóvel entre os seus bens.

Podia ter sido efetivamente assim e a casa ter andado por algumas gerações em apelidos mais consentâneos com aquele matrimónio, o qual, de resto, como se vê, trouxe avultado e estratégico dote aos Malafaias. Mas, o falecimento da mãe à nascença do primeiro e único filho, não tendo feito com que se revertesse o dote, fez com que se perdesse o apelido, tanto mais quando este veio a ser criado pela madrasta.

A verdade é que: se por um lado, não fazia muito tempo que os Malafaia Mascarenhas haviam chegado a Arouca (não à vila, onde entram mais tarde, mas a Várzea, onde começaram por estanciar); por outro, os nossos Brandões já há muito ali tinham domicilio, nas artérias ao coração da vila, onde receberam e acomodaram aqueles nobres conimbricenses.

Entraram esses pela comenda da Ordem de Cristo de São Salvador de Várzea (quiçá por angariação dos parentes abades que cá haviam chegado primeiro) no começo da centúria de seiscentos, para em breve capitanearem o concelho a beneplácito da Abadessa do Mosteiro. Consentimento que, contudo, depressa evidenciaria os antagonismos que o muro da Cerca visava conter, mas que as ingerências mútuas, comprometendo a autoridade de uns e outros, insistiam em fender.

Domingos, o filho de Diogo e Antónia, foi também casar a Rossas, com a prima materna da Quinta de Terçoso, onde para o efeito se terá erigido a capela, contemporânea do púlpito do Calvário, e não tardou, também o governo do concelho entrou na linhagem destes, pelos cunhados Tavares Teixeira e pelos sobrinhos Vasconcelos e Cirne. Entre uns e outros governou o delfim "Alferes" Diogo Malafaia, cujo falecimento e inumação na Misericórdia, encerrou cerca de um século de protagonismo Malafaia por estas terras, que deixaram para se estabelecerem em São Pedro do Sul.

Porém, tendo-se revertido o hífen dos apelidos, a que sucumbiu o nosso, por força do efémero matrimónio, não se desfez o passadiço entre as duas partes da Casa, patrocinado pelo dote matrimonial. E ali permanece ainda hoje para, mais do que ser visto, ser lido. Com muito mais significado histórico até (para nós) que o próprio brasão, que é ali meramente circunstancial e daquele desvia a atenção.

21 de agosto de 2021

A mancha florestal de Arouca - 72% Eucalipto

Arouca é, ainda hoje, um território maioritariamente agrícola e florestal. A enorme mancha verde que se espalha por todo o concelho pode ser vista e verificada subindo a qualquer um dos montes e serras do concelho ou percorrendo as estradas e caminhos rurais que serpenteiam todas as encostas e vales. 

O último grande incêndio de Arouca ocorreu nos anos de 2016 e 2017, em que no somatório dos dois anos cerca de 70 % da área de floresta e mato do concelho se perdeu. De lá para cá o que de diferente se fez? Que politicas florestais se implementaram? Que espécies autóctones se promoveram e plantaram? Que controlo se fez da monocultura desenfreada do eucalipto? 

O parque florestal municipal, já por mim apresentado, aqui e noutros locais, quando sairá do papel? Passaram 5 anos desde 2016. Temos uma mancha florestal com uma idade de corte das árvores e matos muito semelhante pois todos arderam faz 5 anos. De que estamos à espera? De mais 5 anos para voltarmos a zero? 


Deixo um número em forma de questão para possamos refletir: num concelho que se pretende exemplar num turismo de natureza e práticas ambientais de vanguarda termos cerca de 72% da mancha florestal coberta por eucalipto. Será um bom exemplo e o caminho a seguir?

15 de agosto de 2021

O Chafariz da Praça, nos encontros e desencontros da sua própria história

Por esta altura, há precisamente 120 anos, estava concluído e a brotar linfa cristalina o Chafariz da Praça. As obras de estabelecimento haviam arrancado em janeiro desse ano, de 1901, e, com este, ficava também concluído o arranjo da praça central da vila, que não havia muito tempo servia de adro e cemitério da antiquíssima matriz de São Bartolomeu e da seiscentista capela da Misericórdia, mas que d'agora em diante constituiria o mais pitoresco postal de Arouca.


Por essa altura, a vila estendia-se por pouco mais do que o casario em redor das praças de baixo e de cima e duas ou três ruas apertadas e de curta extensão. Os poderes, religioso, administrativo e judicial, estavam ali concentrados, paredes meias com pequenas vendas, tabernas, pensões e serviços, pelo que a nova praça prometia ser o palco para os encontros e desencontros da vida local.

Não havia luz, saneamento nem abastecimento de água potável, sendo então este o mais essencial dos referidos serviços. Como o foi, de resto, até há não muitos anos. E por isso, o estabelecimento de bicas, fontanários ou chafarizes públicos de água bebível era considerado uma obra muito importante. Pelo que a proposta de estabelecer um chafariz no centro da renovada praça logo recolheu o agrado e empenho das autoridades municipais.

A proposta ficou certamente a dever-se a António Teixeira Brandão de Vasconcelos, tanto mais que sabia com que manancial de água se haveria de abastecer o fontanário. Com efeito, dele terá tomado conhecimento aquando da execução do Inventário de Extinção do Mosteiro, que foi da sua responsabilidade, enquanto vice-presidente da Câmara, no exercício de 1874/1875.

Porém, por volta de 1890-1892, precisamente durante a sua segunda presidência da Câmara, procuradas as águas do desejado manancial, ter-se-á percebido que a Junta de Paróquia, para além doutras habilidades, havia feito um desvio das mesmas, sem dar qualquer satisfação à Repartição da Fazenda ou à Administração do Concelho, o que desencadeou um diferendo que culminou em várias participações e queixas por parte daquelas entidades.

Paralelamente, logo a Câmara requereu a cedência das referidas águas e, nomeadamente, do manancial que abastecia o extinto Mosteiro, mas os factos acima relatados e a morosidade dos respetivos processos acabou por dificultar a cedência. Passados meia-dúzia de anos, estando já Brandão de Vasconcelos há muito afastado destas lides e a persentir os seus últimos dias, ainda não se havia concretizado. Faleceu em 1897 sem ver um chafariz a jorrar água no centro da "sua" Praça.

A cedência da almejada água só viria a concretizar-se, depois de mais alguma insistência, durante a presidência de José Gomes de Figueiredo Sobrinho, em 1899, justificando-se assim o estabelecimento do respetivo Chafariz, que começou a ser composto logo nos primeiros dias de 1901, ficando concluído e a brotar a ansiada linfa poucos meses depois.

Em Junho de 1940, correspondendo a um pedido da Representação Municipal da Acção Católica, a Câmara Municipal deliberou remover o Chafariz do centro da Praça para aí ser erigido um Cruzeiro da Independência ou dos Centenários. Porém, volvido um mês sem que viesse a autorização, por parte da Direção Geral dos Monumentos Nacionais, para mudança do Chafariz para junto da escadaria do antigo edifício dos Paços do Concelho (onde em 1989 veio a ser reimplantado o Pelourinho), a Câmara deliberou indicar àquela Representação a colocação do Cruzeiro da Independência no Largo de Santa Mafalda.

O Cruzeiro da Independência foi então erigido no Largo de Santa Mafalda, onde esteve até há cerca de dez anos, altura em que foi removido, para, até à data, não mais se levantar. Por mera coincidência, na mesma altura, e no mesmo âmbito da Regeneração Urbana do Centro Histórico então realizada, o Chafariz acabou por também ser mudado, mas apenas para o canto da Praça, estando agora no local onde outrora se encontrava o Pelourinho, que está agora onde em 1940 esteve para ser colocado o Chafariz.

10 de agosto de 2021

Terá sido o Memorial de Santo António uma obra dos Cavaleiros Hospitalários?

É uma hipótese que nunca vi colocada, nomeadamente, por algum dos vários autores que escreveram sobre este Memorial, sobre o conjunto de memoriais (de Ermida e Sobrado e até mesmo o de Alpendurada) que a este associam num eventual percurso do cortejo fúnebre da Rainha Santa Mafalda, ou sobre o local e circunstâncias do seu falecimento; mas, a possibilidade de, pelo menos o dito Memorial de Santo António do Burgo (sito na freguesia de Santa Eulália), ter sido uma obra dos Cavaleiros Hospitalários, pode não ser descabida.

Com efeito, pode até estar ali devidamente patenteada essa possibilidade, mas a que nunca se terá prestado a devida atenção, com exceção - que eu conheça - ainda que por mera hipótese, do arqueólogo Manuel António Silva, já na década de oitenta (e eu apenas no passado fim-de-semana). Pois é, sem grande margem para dúvidas, uma cruz hospitalária ou de Malta (de oito pontas) que fecha o arco de volta perfeita simples do Memorial de Santo António do Burgo, a qual sobressai, em chefe, e se distingue perfeitamente da restante decoração, predominantemente geométrica e vegetalista, que emoldura a arquivolta daquele monumento.


Pese embora a possibilidade deste Memorial ser uma obra dos Cavaleiros Hospitalários nunca tenha sido colocada, a verdade é que, a haver uma relação deste com o cortejo fúnebre de Dona Mafalda Sanches, como é de tradição, assume bastante mais sustentação, entre as várias teses de explicação formal ou simbólica sobre o local e circunstâncias da sua morte, a possibilidade de ter falecido em Rio Tinto, quando regressava precisamente do também seu Mosteiro de Bouças, então compreendido em terras detidas pelos Hospitalários.

Em todo o caso, a tratar-se, como parece de forma muito notória, de uma cruz hospitalária ou de Malta, independentemente da atribuição que se possa fazer ao cortejo fúnebre de Dona Mafalda, é evidente, - se não mais -, a atribuição da edificação deste Memorial aos Cavaleiros Hospitalários, que nesta proximidade detinham a Comenda de Rossas desde os alvores da nacionalidade, com propriedades e direitos, para além doutras, na freguesia do Burgo (a que Dona Mafalda havia atribuído Foral em 1229), onde, de resto, aqueles estabeleceram o seu lagar de Azeite, no lugar do Pisão, ao fundo das lavouras de Alhavaite.


As boas relações de Dona Mafalda Sanches com os Cavaleiros da Ordem do Hospital de São João de Jerusalém (mais tarde ditos também de Rodes e de Malta), são conhecidas, nomeadamente, aquando da proteção e abrigo que estes lhe prestaram por ocasião do diferendo que teve com seu sobrinho e futuro Rei D. Afonso III. Por cá, ficaram célebres as capitulações de pazes feitas em Rossas, em 1234, a que assistiu o bispo do Porto D. Pedro Salvadores, entre a própria Dona Mafalda e os Cavaleiros da Ordem do Hospital, em virtude de uma briga entre criados daquela e certos cavaleiros desta.

Relações que bem se deduzem, ainda por certas e mútuas doações de bens e objetos, como seja a queixada com três dentes atribuída a São Brás, na altura uma das mais significativas e veneradas relíquias introduzidas em Portugal pelos Freires do Hospital, doada por estes a Dona Mafalda; ou a deixa testamentária destinada por esta em favor daqueles. 

O que tudo terá contribuído para que, em 1309, se outorgasse uma Carta de Confraternidade entre o Mosteiro de Arouca e a Ordem do Hospital, então sediada no Mosteiro de Leça do Balio e pode muito bem ter(-se) justificado (n)o patrocínio e/ou edificação do Memorial de Santo António ou Arco da Rainha Santa. Na certeza, porém, de que não se tratou de uma obra de iniciativa popular, das monjas de Arouca ou de qualquer outro Mosteiro.