28 de setembro de 2018

Nascido na Rua D´arca. Criado no Calvário. Feito no Espingardeiro.


Rua antiga. Calçada gasta pelo andarilhar do tempo. Casa gémea da rua. Poucos luxos que há coisas que mesmo só para os ricos. Quartos estreitos e de porta aberta para desfrute da uma sala em alcatifa enrugada. Cozinha antiga, exígua. Fogão de lenha em cozedura branda e lenta. Latrina de madeira, amiúde visitada pela Guida do Zacarias, de regador na mão, para limpar a fossa e de lá sair com a gorjeta que lhe deixavam na mão. Banhos de bacia, em água trazida em baldes pelos braços do “Larai”, lá do fundo, do tanque onde lavava a roupa a Alcina. Na casa ao lado, a visavó que cedo foi visitar um Senhor e não voltou. Mais abaixo a São da Laura que tantas vezes me recebia e pacientemente atendia.

Lá em cima, no Calvário, pedras grandes, cruzes altas e o sobreiro que nos dava a sua guarita. O escorrega era ali. Bendita cera daquelas velas daquela procissão que vinha à noite com muita gente de círio pascal na mão. Rabo esfarrapado. Sermão da Natália em preparação para o chinelo “quando a mãe chegasse da escola de São João” (da Madeira). Casa dos avós ao lado da capela que, rodeada por terra, era ideal para a bicicleta. Joelhos esfarrapados. Sermão da Natália em preparação para o chinelo “quando a mãe chegasse da escola de São João”. Vinha de manhã, a correr com o “Larai”, porque queria ir às olimpíadas. Saía à noite, embalado pelas histórias da Natália e no aconchego dos braços da Alcina.

Lá no Espingardeiro, cresci. Sair da casa nova, de manha, e andar na rua ate o sol se ir. Os primeiros palavrões começaram a sair. Correr nos campos feitos pelo Mota, para não nos apanhar com a fruta que levávamos dali. Responder aos “Joãoooooo” da Maria da Bigoda, que o Binqueca estava na vila e nem a ouvia. Descobrir novos caminhos, novos campos e novos montes. Descobrir novas liberdades e novas responsabilidades. A minha história vincou-se aqui: cresci, sorri, chorei, sofri.

Sei-me nascido em Arouca, criado em Arouca, feito em Arouca.