7 de junho de 2020

Crónica com nome: Matilde


Matilde é uma menina de seis anos, semelhante a qualquer outra menina da sua idade que vive 

com a sua mãe, Angelina.
Matilde tem no seu olhar meigo o reflexo das cores do arco-íris que nos fazem recordar a nossa infância, com os aromas e os paladares que persistem na nossa memória e que nos levam a acreditar e a sentir que ficaremos bem.

Matilde é a protagonista desta crónica e desta história que tanto têm de real como de peculiar, em tempos de pandemia.
Durante cerca de dois meses e meio, os jardins-de-infância estiveram encerrados, os alunos passaram a ter aulas à distância, através da ressurgida telescola ou estudo em casa, foi decretado distanciamento social, circularam veículos nas ruas com altifalantes a apelar à população, repetidamente, para “ficar em casa”. As ruas ficaram esvaziadas de pessoas, de frenesim, de barulho, de gargalhadas, de apitadelas de condutores impacientes, e os cafés, os restaurantes, o comércio e as repartições públicas encerraram o atendimento ao público.
Os encarregados de educação de filhos menores de 12 anos ficaram em casa para os acompanhar neste novo modelo de ensino, à distância, a partir de casa.
Vilas e cidades guardaram silêncio para serem palco de grandes e inusitados concertos e despiques esvoaçantes da passarada, que há muito não se ouviam por serem ensurdecidos pelo barulho citadino ou, simplesmente, porque estes são esquivos à confusão.
E a Matilde? Como viveu ela esta quarentena? Com a sua mãe, à janela, a perscrutar e a ouvir os trinados dos pássaros nas pausas do estudo?
Já devem calcular que a resposta à última interrogação é negativa, não tratasse esta crónica de uma história peculiar…
Matilde foi das poucas crianças que não pôde ficar em casa porque a sua mãe teve de continuar a trabalhar, uma vez que é funcionária hospitalar e integra o corpo de bombeiros, assumindo assim funções indispensáveis, ainda mais neste contexto pandémico.
A nossa menina (sim, nossa, porque quando gostamos tendemos a apoderarmo-nos afetivamente), contrariamente à maioria das crianças da sua idade e apesar das escolas terem encerrado, continuou todos os dias a levantar-se cedo, a vestir-se, a tomar o pequeno-almoço, a escovar os dentes, a preparar a mochila e a ir para a escola, não para a sua, mas para outra nova e depois ainda outra!
Numa primeira fase, Matilde e um aluno do 3.º ano de escolaridade eram os únicos alunos a frequentarem a escola primária de Arouca e a serem acompanhados por professores novos que se revezavam diariamente, durante a manhã, e por educadoras, à tarde. Dois dias depois, os dois meninos passaram a frequentar a escola secundária, e a surpresa foi muita! Os dois pequenos conheceram uma escola enorme, conheceram os funcionários, a direção, o porteiro e as câmaras de videovigilância, a cantina, a sala dos professores e, claro, conheceram e foram “paparicados” por todos os adultos que assumiram a sua “guarda” e que ficaram rendidos aos seus encantos.
Quando perguntei à Matilde de que escola gostava mais, se da escola normal, ou se desta escola nova, ela disse-me que gostava mais desta escola nova e que não tinha saudades dos seus colegas, porque nestes dois meses e meio não havia tanta confusão.
Por incrível que possa parecer, Matilde experimentou realmente o ensino personalizado, com diálogo e interação constante entre aluno/professor, estando os “holofotes” centrados em si, sendo alvo de toda a atenção.
Matilde entrava na escola às 8h da manhã e saía às 18h e estava sempre acompanhada por professores e por educadores, que a ajudavam e a desafiavam a manter as rotinas de estudo: de manhã assistia a telescola na televisão com o aluno do 3.º ano de escolaridade, ouvia com atenção a hora da leitura, dedicava-se nas expressões plásticas e no desenho, na matemática, no estudo do meio, fazia exercício físico, treinava a escrita e aprendeu a escrever melhor com letras maiúsculas! De tarde as atividades eram de carácter mais lúdico e artístico.
Matilde confessou-me que gosta mais de ir à escola do que de estar em casa, porque gosta de trabalhar e de estudar. Mostrou-me a capa com os trabalhos que fez, as fotografias que as professoras tiraram com ela, as mensagens que lhe escreveram, para que não as esquecesse e disse que a diretora, a Prof. Amélia, a convidou para a ir visitar, que as portas da secundária estariam sempre abertas!

Nestes dois meses e meio, Matilde ganhou novas amizades da Prof. Helena e da Prof. Margarida e de outros de que já não recorda o nome…

Aprendeu a desinfetar as mãos, percebeu que esta não era uma situação normal e que não podia estar na sua escola habitual com os seus colegas por casa do “bicho”, do “coronavírus” e do “Covid-19”, nomes que ela referiu de uma só vez e que ficarão, certamente, na sua memória.

O coronavírus para a Matilde é mau, mas o saldo desta experiência inusitada é positivo, porque lhe trouxe ainda mais atenção, carinho, afeto e novas amizades!



O que os olhos da Matilde nos dizem é que quando há bondade, honestidade e amizade, as dificuldades são ultrapassadas, o sol aparece e, juntamente com a chuva, faz surgir um grande e colorido arco-íris!