27 de março de 2020

Que o milagroso São Pedro de Sanfins nos valha!

Chaves de São Pedro, gravadas na empena da fachada posterior da
capela de São Pedro, de Sanfins, Várzea
Corria o ano de 1734, pouco mais ou menos, estando gravemente enferma uma pequena, de seu nome Josefa Rosa, do lugar de Eidim, da freguesia de Rossas, acamada em sua casa, com uma inchação de sete palmos do ventre, sem poder mover-se havia cerca de dois anos e meio, e estando já quase moribunda e com assistência continua, de dia e de noite, de familiares e vizinhos, que faziam o que podiam para auxiliar a pobre pequena no último trânsito da vida, quando sua mãe, D. Maria Teresa de Jesus, tendo ido na manhã do Domingo da Paixão à igreja confessar-se e comungar por intenção da dita sua filha e, depois, à tarde, a uma pequena ermida, lá no cimo do monte, dito de Sanfins, fazer orações a São Pedro, suplicando-lhe que pedisse ao Senhor pela desesperança daquela criatura ou pela sua saúde, conforme fosse sua Divina vontade, o que esperava até ao seu dia festivo, e depois de feita esta oração e pedido, continuado em sua casa em oração, de manhã e de tarde e nas horas da Santíssima Trindade, diante do Santo Cristo, do seu oratório, até à véspera do dia de São Pedro, altura em que, diante do seu Santo Cristo, que do oratório recebeu em suas mãos, pondo-se de joelhos com Ele a uma janela virada para o monte da ermida de São Pedro, suplicou ao Santo Apóstolo que era chegada a gloriosa noite, véspera do seu dia festivo e glorioso, em que confiava e esperava por sua intercessão o alivio e remédio da saúde de sua filha, tão enferma nessa noite. Chegada a hora da recompensa, querendo os familiares e vizinhos fazer a costumada assistência à dita enferma, que estava ungida temendo que naquela noite morresse, disse ela que fossem todos descansar do grande trabalho, que com ela haviam tido nas demais noites, porque se sentia algum tanto aliviada; e, resolvendo-se todos, descansou ela também, pegando no sono. Terá então vislumbrado em sonhos que um varão respeitável de corpo agigantado vestido de azul, que disse ser São Pedro, lhe pôs o pé sobre a referida inchação e disse: levanta-te e vem comigo à minha capela, que amanhã se concretizará um milagre; respondeu a enferma: eu não posso levantar-me; e então vislumbrou, também ao seu lado, de sobrepeliz vestido, São Gonçalo (a cujo Santo, que se venera na matriz de Rossas, também a dita mãe em todo o tempo tinha oferecido sua enferma filha), que lhe disse: eu te dou a mão. E, com efeito, sonhando, ela se amparou e levantou, acompanhando depois São Pedro à dita sua ermida, desaparecendo aí o Santo. Acordando assustada, parecendo-lhe que estava em uma devesa, chamou em voz alta por sua mãe, a cujas vozes todos acordaram, achando-se ela em pé junto ao leito de sua mãe, sem inchação nem moléstia alguma, para espanto de todos, que a trémula luz a viram sã como se nunca tivera enfermidade alguma, atribuindo a surpreendente cura a São Pedro. Com grande alegria e contentamento de todos, caminhou a pequena com seus irmãos pela porta fora, referindo o beneficio que havia recebido por intercessão do Santo Apóstolo, ao que se apercebendo os vizinhos, tendo também um menino molestado com um pólipo no nariz, logo o ofereceram a São Pedro, pedindo à devota mãe e filha tocada pelo Santo que orassem também por aquele menino para que São Pedro também nele fizesse um milagre tirando-lhe aquela queixa incurável, pois que eles vizinhos foram incansáveis na assistência daquela menina no longo período de sua moléstia. E com efeito, no dia seguinte se achou o menino sem o pólipo nem sinal dele. Amanhecendo o dia 29 de Junho do dito ano, foram todos dar as Graças de suas casas a São Pedro e assistir à festividade que em honra do Santo se celebrou nesse dia. E de tão viva a representação de ir a pequena enferma com o Santo à sua capelinha, seguiu ela nesse dia diante de todos, dizendo conhecer o caminho, sem nunca lá ter ido em tempo algum, ficando a dita ermida a um quarto de légua de sua casa, por trás de um grande monte e outeiros, com a qual sempre custava a acertar a outros que já lá tinham ido mais vezes, acertou ela com a dita ermida como se lá tivesse ido todos os dias. E havendo sermão fez publico o pregador, com ela Josefa Rosa presente e à vista de todos, o milagre que se havia nela realizado. Tanto quis o Santo corroborar este milagre que, sendo ela Josefa Rosa chamada ao Porto por umas tias e tios, afim de aí contar a Graças que havia recebido, aí chegada, foi chamada a casa de um enfermo que estava entrevado e sem esperança de vida havia cerca de um ano, o qual, constando-lhe aquele milagre, se quis oferecer àquele Santo, pedindo à menina tocada, que por ele fizesse oração e que a devota sua mãe também rogasse e orasse por ele a São Pedro, oferecendo-lhe uma oferta em dinheiro para reedificação e renovação da sua capela. Permitiu Deus que logo depois lhe passasse aquela queixa por intercessão de São Pedro e, cumprindo logo a promessa se fez de novo uma capela grandiosa, com o milagre representado em uma pintura posta num quadro, onde hoje existe a mesma imagem de São Pedro e se instituiu uma festa anual aos 29 de Junho e uma celebração aos 29 de todos os meses do ano. Como se já não fossem de monta as Graças recebidas, contou ela Josefa Rosa que, quando em sonho foi com São Pedro à sua capelinha, lhe dissera o Santo que passado algum tempo haveria de se purgar e sangrar, pois que daí a um ano haveria de padecer de outra grande enfermidade e passado dois anos havia de se livrar de um grande perigo. Destas duas circunstâncias não se fez caso, atribuindo-se a fantasia do entendimento, mas, o certo é que, daí a um ano completo, estando ela no Porto, teve uma grande enfermidade, em virtude da qual se purgou e sangrou como lhe tinha insinuado o Santo e logo se encontrou inteiramente sã, afirmando que assim lhe dissera São Pedro, do que sempre tivera lembrança, assim como de perigo que se havia de livrar e, com efeito, completos dois anos, estando ela descuidada fazendo uma cama, um seu primo, já rapaz, lhe disse: prima Josefa queres ver dar-te um tiro? E virando-se ela para ele, viu-se apontada de uma espingarda, atacada e carregada, ao que, aflita, invocou em altas vozes: São Pedro valei-me! E, proferidas as Santas palavras, disparado o tiro, que lhe estava apontado, a não tocou nem ofendeu, num fortúnio que a todos admirou, prostrando-se ela depois diante do Santo Cristo do seu oratório, dando muitas graças e louvores a Deus com uma fé viva de que São Pedro, seu intercessor, a livrou também deste perigo que trazia em lembrança desde o dia em que, em sonhos, acompanhou o Santo à sua capelinha.

Transcrição livre e inédita do relato feito pelo Reverendíssimo Bispo de Lamego, com vista ao reconhecimento e confirmação do «Milagre de S. Pedro de Arouca, venerado na sua Imagem adorável na sua Ermida, sita na Devesa e Monte de S. Fins da freguezia de Varzia, Bispado de Lamego, feito a Josepha Rosa de S. Pedro, filha do Cappitam Félis Soares de Carvalho e de sua mulher D. Maria Thera de Jesus, que existe viuva na idade de noventa annos, moradora no lugar de Eydim da freguezia de N. Senhora da Conceição da Sagrada Religião de Malta de Rossas, do Concelho de Arouca...» (transcrição literal).

O pedido para reconhecimento e autenticação foi feito por Constantino Soares de Carvalho, irmão de Josefa Rosa de S. Pedro, em carta dirigida a Sua Majestade o Rei D. Pedro III, o qual, para o efeito, ordenou ao Bispo de Lamego que mandasse fazer as diligências de estilo com as exactas inquirições pelo pároco da freguesia de Várzea, na qual está sita a mesma ermida, como também pelo pároco de Santa Marinha de Tropeço, também vizinho da dita ermida, e pelo pároco da freguesia de Rossas, também contigua ao mesmo lugar aonde se venera a dita Imagem do Apóstolo São Pedro, tudo afim de se anunciar o dito Milagre.

Não estão juntas a este processo (que por felicidade encontrei nos arquivos da Torre do Tombo, e está já disponível), as ditas inquirições, nem sei se algum dia chegaram a realizar-se, não se tendo, nunca, reconhecido e autenticado aqueles sucessivos milagres de São Pedro de Arouca, venerado na capela de Sanfins, de Várzea, cuja reedificação e melhoramento se ficou a dever àquelas circunstâncias.

Capela de São Pedro, de Sanfins, Várzea
Valha-nos este conhecimento por felicidade obtido recentemente e tratado nos meus apontamentos sobre a Comenda da Ordem de Cristo de Várzea, coroado com a belíssima oração que D. Maria Teresa de Jesus, do lugar de Eidim, de Rossas, pôs nas sagradas mãos da milagrosa imagem de São Pedro, nada a despropósito neste dia em que, da sua Basílica, no Vaticano, será feita a bênção Urbi et Orbi pelo Santo Padre, e que passo a transcrever:

«Glorioso Apóstolo S. Pedro, Príncipe da Igreja de Deus, Discípulo e Defensor de Jesus Cristo, Santo, em quem o Senhor se mostrou sempre admirável, Vós, que intercedeste ao mesmo vosso Divino Mestre, que é o que somente faz as maravilhas e somente o que põe os prodígios sobre a terra, que fizesse a singular maravilha e obrasse o estupendo prodígio de restituir a saúde de muitos tempos desejada a minha filha Josefa Rosa, achando-se gravemente enferma, desconfiada de todo o remédio humano, e  em perigo de vida naturalmente inevitável, sendo por vossa piedosa e eficaz intercessão e por vossas sagradas mãos levantada do leito de dores em que jazia e posta em pé repentinamente sã, como se nunca houvesse padecido a menor enfermidade, como quem foi tornada da sombra da morte à luz da vida, concedei propício o mesmo favor da vossa poderosa e eficaz intercessão aos nossos bons Reis e Senhores que no mundo governam, livrando-os de enfermidades e rogando ao mesmo Senhor Deus de todas as virtudes, que os encha das mesmas virtudes e derrame sobre eles muitas bênçãos afim  de que governem os seus fieis povos em paz e felicidade e recebam em prémio do seu feliz e pacífico reinado neste mundo uma prolongada e Santa vida, e no outro, a merecida coroa de perpétua e interminável glória: tudo pelos merecimentos, piedade e clemência do mesmo vosso Divino e amado Mestre e Senhor, que vive e reina com o Padre e Espírito Santo por todos os séculos dos séculos. Amém.»

Por fim, apenas uma pequeníssima nota biográfica e genealógica sobre Josefa Rosa de S. Pedro: era filha do Capitão de Malta e Monteiro-Mor do concelho de Arouca Félix Soares de Carvalho e de sua mulher D. Maria Teresa de Jesus, aquele natural do lugar da Cavada, freguesia de Rossas, e esta natural de Vila Nova de Gaia, ambos moradores no lugar de Eidim, da referida freguesia, onde tiveram, entre muitos outros filhos, Josefa Rosa, baptizada a 17 de Outubro de 1726, que, por curiosidade, vem a ser tia avó paterna de António Soares Júnior, ex-voto de Nossa Senhora do Campo, de Rossas.

Oxalá que o milagroso São Pedro de Sanfins nos valha e que a nossa comunidade passe imune a este flagelo que hoje estamos a viver.

24 de março de 2020

A Pensar Alto. O campo da bola de Figueiredo... anos sessenta do século passado.

O lugar de Figueiredo ali na encosta do Burgo era um lugar famoso. Tinha lá um campo de futebol, coisa rara mas com um valor imenso para todos. Numa sociedade muito fechada como a de então, aquele espaço servia para mostrar que todos queriam ter asas e mostrava que a liberdade conseguia dar nos momentos de puro prazer. Os meus pais, nem me lembro bem porquê, deram me uma bola de futebol . Não sei de que material, só me recordo dos ruídos que fazia quando se chutava e dos gritos, uns de espanto, outros de alegria que se ouviam logo a seguir. Recebi a embrulhada num papel muito colorido que pressentia coisas festivas e depois de passada a surpresa foram difíceis as negociações para uma utilização única e exclusiva nos momentos de folga ,e esses eram poucos apesar do tempo ser muito. Que linda aquela bola redondinha e com medidas para poder jogar futebol. Daí a importância do campo. Eu que nem era de Figueiredo gostava de passar por lá quando regressava a casa só para olhar aquele espaço que mesmo vazio estava sempre repleto de promessas e de alegrias enormes. Figueiredo era um lugar como outros, nem era bonito nem feio era um lugar de risca ao meio, não sei se a estrada separava as casas se as casas nasceram e preferiram ficar ao lado desta. Passava por lá a estrada que durante muito tempo foi a principal ligação para o cimo da serra, até a carreira semanal do Calçada a frequentava e Figueiredo era conhecido por local de passagem, agrícola, mas apesar de tudo com uma população abundante que lutava pela vida e acolhia outros que o tinham feito lá pelas terras distantes. Ontem como hoje. Terra dos Reimões, dos da Nogueira, dos do Pinho ali na curva, dos Marinhas, das lojas do Cardoso e do Júlio Rafeiro, duas boas mercearias, dos do Júlio, o do Benjamim, e entre mais, da casa do Alto que lá bem em cima tudo observava e pela vista compensava o esforço da subida. E tinha também a capela do Senhor da Boa Morte, um nome estranho, que algum santo descontente com a vida decidira ser apelativo. Ali ao lado via passar os moradores que respeitosamente se inclinavam ao dirigir lhe um olhar e os que continuavam serra acima muitos distraídos nem se apercebiam de tal pequena capela. E a padaria, que todos os dias exceto aos domingos nos permitia ter sempre o pão mais fresco da zona. E um alfaiate e mais artistas e mais profissões, um lugar para se viver com tranquilidade numa pequena comunidade. Mas o mais importante de Figueiredo era o campo da bola. Já na descida para o Marvão a dois passos da igreja de Salvador. Sabe se que o proprietário do terreno, um Dr. muito conhecido, com grande amor pelo desporto, amante do futebol, as suas visitas para ver jogar o Porto eram assíduas, resolveu fazer um campo de futebol para que os filhos que eram 3 tivessem a possibilidade de praticar o desporto que tanto gostava. Assim o fez e de um anónimo campo agrícola, com mais ou menos cavadela, nasceu o Campo de Figueiredo, tão famoso na altura como qualquer conceituado estádio olímpico dos dias de hoje. Sempre que podíamos calçavam se os sapatos mais velhos, que jeito deu a minha bola, não era preciso juntar sequer 11 para cada lado, era com os que estavam e lá se passava uma tarde cheia de gritos, correrias e uma algazarra que só era interrompida com a presença de algum pai mais enervado e com uma vara na mão. Para nós, os de Figueiredo como tinham os filhos do Dr. na equipa e eram proprietários do campo jogavam a um nível elevado e esperavam algum recato de quem os desafiava. Mas precisavam de adversários e aí entravam os de Lourosa com os da Obra à frente, mais os do Coelho, os da Quinta, tudo família, e reforçavam se com os dos Milheiros, um ou outro do Marelha, do Piolho, e se preciso fosse um do Arregaçado que eram muitos e a escolha era fácil. Durante alguns dias até se reforçaram com um brasileiro que veio passar férias, jogava pouco mas falava com o sotaque do Pelé e isso já era suficiente sinal para atemorizar o adversário. E jogava se até ser escuro nem contando o resultado porque o que interessava era a brincadeira. E quando vinham os de Sta. Maria do Monte? com reforços de Lourosa de Matos e até um ou outro quase adulto para intimidar, e os da Vila, era como receber o Porto ou o Benfica, só vedetas. Eram jogos sem fim, tardes imensas caneladas e calcadelas, encontrões e arranhões que levavam uma eternidade a cicatrizar mas valia a pena. Aprendi lá o que queria dizer amizade, espírito de equipa, solidariedade, convívio, igualdade, numa sociedade tão vincadamente em socalcos de classe. Quando nos aproximava-mos do campo aquela ultima curva era já dada em velocidade de aquecimento, todos queriam ser os primeiros como se esse facto nos ajudasse no jogo seguinte. Depois uns pontapés à baliza, sem redes, e com cada vez mais impaciência formavam se as equipas porque o dia mesmo que com muitas horas de dia era sempre curto e não dava para recuperar resultados menos felizes. Agora tantos anos depois ainda lá passo e ouço, é impossível não ouvirem todos, os gritos, os incentivos, as ameaças, os pedidos, passa, passa, chuta, foi golo, falta, aquelas enormes tardes de tanta transpiração que já não cabem nas memórias. Agora tantos anos depois passo lá e vejo um pomar todo orgulhoso por estar ali à beira da estrada, todo alinhado e viçoso. E não quero que perca o orgulho, não vou dizer uma palavra e vou voltar só com os meus pensamentos. Com que cara ficaria se soubesse que ali foi o famoso Campo de Futebol de Figueiredo. Vamos todos guardar este segredo. Pode ser que um dia… Apesar de tudo...

18 de março de 2020

O que significa e o que implica o Estado de Emergência?

Para fazer face à situação de calamidade, prevenção e incerteza, que estamos a viver, parece cada vez mais inevitável que Sua Excelência o Presidente da República decretará hoje o Estado de Emergência Nacional. É uma situação inédita na vigência da actual Constituição e em Democracia, pelo que importa estar ciente das suas implicações.

Para o efeito, cumpre analisar o que se encontra previsto na Constituição da República Portuguesa (CRP) e no Regime do Estado de Sítio e do Estado de Emergência (RESEM).


Antes de mais, como é sabido, a Constituição consagra e assegura aos cidadãos um vasto leque de direitos, liberdades e garantias, designadamente o direito à liberdade, o direito de deslocação e o direito de reunião. Tais direitos, liberdades e garantias não podem ser suspensos pelos órgãos de soberania, excepto em caso de Estado de Sítio ou Estado de Emergência, declarados nos termos previstos na própria Constituição.

O Estado de Emergência significa, assim, a suspensão dos direitos, liberdades e garantias, podendo ser declarado, para todo ou parte do território nacional, nos casos de agressão efectiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade pública.

O Estado de Emergência é declarado quando se verifiquem situações de menor gravidade do que aquelas que levariam ao decretamento do Estado de Sítio, nomeadamente quando se verifiquem ou ameace verificar-se casos de calamidade pública. Caso em que apenas poderá ser determinada a suspensão parcial do exercício de direitos, liberdades e garantias, prevendo-se, se necessário, o reforço dos poderes das autoridades administrativas civis e o apoio às mesmas por parte das Forças Armadas. A opção pelo Estado de Emergência, bem como a respetiva declaração e execução, deve respeitar o princípio da proporcionalidade e limitar-se, nomeadamente quanto à sua execução e duração e aos meios utilizados, ao estritamente necessário ao pronto restabelecimento da normalidade. Assim, a suspensão dos direitos, liberdades e garantias deverá observar e respeitar o princípio da igualdade e da não discriminação, com as limitações estabelecidas no artigo 2.º/2 do RESEM.

A declaração do Estado de Emergência não afectará nunca, no entanto, os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroactividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião. Na vigência do Estado de Emergência, os cidadãos manterão, igualmente e na sua plenitude, o direito de acesso aos tribunais, de acordo com a lei geral, para defesa dos seus direitos, liberdades e garantias lesados ou ameaçados de lesão por quaisquer providências inconstitucionais ou ilegais.

Dentre as limitações a impor aos cidadãos, salienta-se a possibilidade de restrição da liberdade e da livre circulação de pessoas e veículos, podendo impor-se desde o isolamento ao condicionamento ou interdição de trânsito, cabendo às autoridades assegurar os meios necessários ao cumprimento do disposto na declaração, particularmente no que diz respeito ao transporte, alojamento e manutenção dos cidadãos afectados. A violação do disposto na declaração do Estado de Emergência ou na lei, nomeadamente quanto à execução daquela, faz incorrer os respetivos autores em crime de desobediência, podendo ser punidos com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

Por fim, como já se sabe, a declaração do Estado de Emergência compete ao Presidente da República e depende da audição do Governo e da autorização da Assembleia da República.

A declaração reveste a forma de decreto do Presidente da República e a sua execução compete ao Governo, que dos respectivos actos manterá informados o Presidente da República e a Assembleia da República. A declaração confere às autoridades competência para tomarem as providências necessárias e adequadas ao pronto restabelecimento da normalidade.

A declaração do Estado de Emergência terá de ser adequadamente fundamentada e conterá a especificação dos direitos, liberdades e garantias cujo exercício ficará suspenso, não podendo o estado declarado ter duração superior a quinze (15) dias, sem prejuízo de eventuais e necessárias renovações.

14 de março de 2020

Covid-19: a pandemia do nosso tempo

Está aí, em evolução, a pandemia do nosso tempo. Ou seja, o surgimento de uma doença com propagação geográfica internacional muito alargada e simultânea. Em 12 de Março, estavam confirmados mais de 153.000 casos, em cerca de 150 países, com maior propagação na China (mais de 80.000 casos), em Itália, Irão e Coreia do Sul. Nessa data tinham já morrido cerca de 6.000 pessoas (cerca de 3.200 na China), embora se considerassem já cerca de 72.500 pessoas curadas.

No dia 2 de Março foi confirmado o primeiro caso em Portugal. Trata-se de um médico de 60 anos, regressado de Itália, onde o surto irradia actualmente com proporções avassaladoras, tendo já dizimado 1266 pessoas, 250 das quais num só dia. Nesta altura estão confirmados 169 casos de infecção, tendo sido registados 1.704 casos suspeitos desde o início da epidemia, estando já, no entanto, mais de 5.000 pessoas sob vigilância das autoridades de saúde.


A causa deste surto não está ainda definitivamente estabelecida, embora a doença tenha sido identificada pela primeira vez na China, em Wuhan, Hubei, no dia 1 de dezembro de 2019, num grupo de pessoas que comerciavam no Mercado de Frutos do Mar de Huanan, onde também se vendiam animais vivos, como pangolins, morcegos e cobras, num dos quais se poderá ter desenvolvido o parasita ou bactéria que depois passou a infectar os humanos. Não se sabe, no entanto, se foi aí que teve origem ou se foi apenas aí que se identificou o primeiro caso, podendo Wuhan ter sido apenas um local e evento de maior difusão.

De resto, tal como aconteceu com a conhecida Peste Negra, que teve o seu auge entre 1343 e 1353, mas que, por cá, nunca se conseguiu erradicar em definitivo até ao século XVIII, pelo que se fala dela ainda hoje como se dela houvesse ainda memória. Foi efectivamente uma das pandemias mais devastadoras da história, tendo resultado na morte de cerca de 75 a 200 milhões de pessoas na Europa e na Ásia, estimando-se que tenha mesmo dizimado pelo menos um terço da população do continente europeu. A doença foi então causada por uma bactéria transmitida aos humanos através de pulgas e ratos-pretos, que, como está bom de ver, se revelaram um foco de enorme propagação e difícil eliminação.

É, pois, também agora, importante saber a origem e forma de transmissão ao ser humano, para que se consiga um tratamento eficaz e se erradique em definitivo este flagelo do nosso tempo.

No entanto, enquanto isso não acontece, e de forma a prevenir a infecção, a Organização Mundial de Saúde recomenda que se lavem as mãos com regularidade e se protejam boca e nariz ao tossir e espirrar, e, mais importante do que tudo, se evite o contacto próximo com alguém que mostre sintomas de doença respiratória (como tossir e espirrar). Ou seja, as recomendações para ficar em casa, são mais propriamente para evitar a concentração e contacto físico de pessoas.

Por outro lado, mostra-se muito prudente evitar a desinformação, fazendo uma selecção de fontes de notícias de organismos, entidades e instituições credíveis, nomeadamente, da Direcção Geral de Saúde e do Governo (das quais, mais do que nunca, se reclama que sejam verdadeiras nos números e nas previsões), de forma a que cada um de nós possa proceder em conformidade com esses cenários e instruções, cabendo-nos também evitar derivas, desorientações, irresponsabilidades e egoísmos, que possam prejudicar ou agravar a situação de pessoas mais indefesas, incautas ou desprevenidas.

Trata-se, com efeito, de uma luta de todos, contra um inimigo que não é nenhum de nós. Devemos, pois, defendermo-nos uns aos outros para um combate mais eficaz. Para já, evitarmo-nos, pensando em todos, é apenas o que se pede.

9 de março de 2020

5ª Conferência Internacional Noaíta - Academia Noaíta de Jerusalém - Israel

Como já foi referido, várias vezes, neste blogue, Arouca (no contexto mais amplo do Noroeste Peninsular), possui muitos elementos de origem cripto-judaica e cristã-nova que configuraram o inconsciente colectivo arouquense e a identidade de Arouca, ao longo dos séculos. 
A Torá Sagrada do Criador dos Céus e da Terra, Bendito Seja O Seu Nome Sagrado, é um sistema axiológico absoluto para os Judeus (613 Mitzvot) e para os Não-Judeus (7 Leis Noaítas). Esse sistema axiológico absoluto (sistema de índole moral e ético, mas também de índole epistémico, científico, técnico, estético, jurídico e político, etc.) reporta-se e refere-se à estrutura ontológica e orgânica de qualquer ser humano e qualquer ser humano sadio reconhece esse sistema axiológico como bom, benévolo e justo. E não poderia ser de outro modo, uma vez que esse sistema axiológico é absoluto, tendo origem no Criador Perfeito e Infinito dos Céus e da Terra, que é Absoluto e Absolutamente Verdadeiro, Bendito Seja O Seu Nome Sagrado. 
Nos Céus e na Terra, só existe uma única autoridade infalível, que é a única entidade perfeita e absoluta: o Próprio Criador Uno e Absoluto dos Céus e da Terra, com a Sua Torá Sagrada, escrita em Hebraico, com o sentido originário do Criacionismo Hebraico e que se refere ao facto da combinação infinita das letras da Torá Escrita ser o blueprint de todos os fenómenos que existem nos Céus e na Terra, sendo um padrão prático absoluto para guiar os seres humanos no planeta Terra. Nesse sentido, qualquer pensamento, noção, acto ou prática que colida com os valores universais e absolutos das 7 Leis Noaítas é um grave retrocesso pessoal e um grave retrocesso civilizacional, no contexto teleológico da escatologia humana direccionada para a Era Messiânica, que ocorrerá, no futuro, a partir de Jerusalém - Terra de Israel, liderada pelo Moshiach Ben David e pela linhagem davídica, com a construção do Terceiro Templo, no Monte do Templo, em Jerusalém. A Humanidade está numa escatologia e essa escatologia é Judaica Ortodoxa «Shomer Torá uMitzvot». Não outra.
Este ano, mais uma vez, fui convidado, pelo rabi haredi Moshe Perets, para participar na Conferência Internacional Noaíta, em Jerusalém - Israel: um evento de muita qualidade, organizado e promovido pela Academia Noaíta de Jerusalém, que divulga e promove as 7 Leis Noaítas a todas as nações. Sou um rigoroso 'Noaíta-Observante-Chassid' (“Chassid Umot Ha’Olam”). Tenho origens familiares cripto-judaicas e cristãs-novas muito consistentes ao longo dos séculos e estou muitíssimo ligado, de modo directo, ao Povo Judeu haredi e ortodoxo Shomer Torá uMitzvot, há cerca de 16 anos, mas o meu interesse e a minha participação, em estudos académicos, sobre a Cultura Judaica Shomer Torá uMitzvot, é regular, há quase 25 anos.
As 7 Leis Noaítas (que só começaram a ser mais e melhor divulgadas no presente) vão ser, no futuro, na Era Messiânica, o sistema axiológico axiomático absoluto que guiará todos os seres humanos do planeta Terra, nos 7 continentes, com A Protecção Divina do Criador Absoluto dos Céus e da Terra, Bendito Seja O Seu Nome Sagrado, Bendito Seja Ele.



3 de março de 2020

A Pensar Alto. A maior ponte do mundo.

foto: Manuel Cruz
Há empreendimentos que muito antes de nascer parecem destinados a ter sucesso. É este o caso. Em Arouca, ali perto dos famosos Passadiços do Paiva, a atravessar duas montanhas que até agora só se olhavam de longe, a sentir aquela vertigem de quem gostava de voar muito alto e no fundo sempre olhou para os pássaros com inveja, a contemplar um rio que desce por uma encosta escorregadia colorida por salpicos sem côr, com esforços  impotentes para abrandar o ímpeto daquelas águas claras que só se tranquilizam lá para os lados do Vau, vamos ter uma ponte, uma espécie de grande pássaro sem asas que nos pode transportar e deixar ver o que só nos sonhos em que voamos bem alto, conseguimos. Vamos ter tudo isto e de pés assentes.Com uma ponte, e logo com a maior ponte do mundo. O tempo foi passando, as dificuldades foram aparecendo, todos sabemos como são as obras neste País, mas quando existe aquela vontade de terminar e cumprir o projeto que de tão estranho causa invejas e maus olhados confirma se que a fé move montanhas ou desta vez a fé constrói pontes, e bem compridas. Finalmente e ultrapassados prazos, e despesas acrescidas parece finalmente começar a ver se a estrutura simples e elegante em que muitos vão gritar de emoção, outros mesmo de mêdo e outros vão deixar os olhares substituir os pés e de longe ainda se vai conseguir ter aquele friozinho que alguns chamam de adrenalina e outros de cagunfa, fica à escolha. Bem sei que as verbas envolvidas poderiam se canalizadas para outras coisas, carências encontram se de modo avulso, mas qualquer responsável politico deve saber encarar o risco e enfrentá-lo depois de ponderar o indispensável. Os caminhos fáceis ás vezes conduzem nos a marasmos e águas paradas e nós sinceramente admiramos o rafting e o ruído de águas bravas que sempre se movimentam. Estamos ansiosos por ver a obra terminada. A nossa ponte vai ficar na história e nós só por isso, como a vimos crescer, como vimos as discussões de quem avalia o futuro, como antecipamos as imagens de quem com os olhos a rebentar de surpresa põe o pé, enche os pulmões e se precipita quase para o vazio, também estamos nesta história. Para além de tudo  pressentimos que vem aí mais uma onda de entusiasmo, as nossas ruas vão continuar a estar repletas, o turismo vai continuara a crescer e com isso os benefícios para todos. Bem sei que isso não será o suficiente mas havemos de provar aos mais descrentes que apesar de sermos poucos e ter mos pouco peso politico lá nos corredores do poder, ninguém vai querer ficar fora desta história e pode ser que nós e todo o interior melhore as condições de vida, desde os acessos aos empregos e ao essencial que ainda falta e que todos tenham finalmente igualdade de tratamento, é só isso. Esperemos que esta ponte tão arrojada una muito mais que dois pontos lá nos altos de Canelas, esperemos que una também um País pequeno, próximo e ao mesmo tempo distante e desigual. Venha a Ponte.