10 de agosto de 2021

Terá sido o Memorial de Santo António uma obra dos Cavaleiros Hospitalários?

É uma hipótese que nunca vi colocada, nomeadamente, por algum dos vários autores que escreveram sobre este Memorial, sobre o conjunto de memoriais (de Ermida e Sobrado e até mesmo o de Alpendurada) que a este associam num eventual percurso do cortejo fúnebre da Rainha Santa Mafalda, ou sobre o local e circunstâncias do seu falecimento; mas, a possibilidade de, pelo menos o dito Memorial de Santo António do Burgo (sito na freguesia de Santa Eulália), ter sido uma obra dos Cavaleiros Hospitalários, pode não ser descabida.

Com efeito, pode até estar ali devidamente patenteada essa possibilidade, mas a que nunca se terá prestado a devida atenção, com exceção - que eu conheça - ainda que por mera hipótese, do arqueólogo Manuel António Silva, já na década de oitenta (e eu apenas no passado fim-de-semana). Pois é, sem grande margem para dúvidas, uma cruz hospitalária ou de Malta (de oito pontas) que fecha o arco de volta perfeita simples do Memorial de Santo António do Burgo, a qual sobressai, em chefe, e se distingue perfeitamente da restante decoração, predominantemente geométrica e vegetalista, que emoldura a arquivolta daquele monumento.


Pese embora a possibilidade deste Memorial ser uma obra dos Cavaleiros Hospitalários nunca tenha sido colocada, a verdade é que, a haver uma relação deste com o cortejo fúnebre de Dona Mafalda Sanches, como é de tradição, assume bastante mais sustentação, entre as várias teses de explicação formal ou simbólica sobre o local e circunstâncias da sua morte, a possibilidade de ter falecido em Rio Tinto, quando regressava precisamente do também seu Mosteiro de Bouças, então compreendido em terras detidas pelos Hospitalários.

Em todo o caso, a tratar-se, como parece de forma muito notória, de uma cruz hospitalária ou de Malta, independentemente da atribuição que se possa fazer ao cortejo fúnebre de Dona Mafalda, é evidente, - se não mais -, a atribuição da edificação deste Memorial aos Cavaleiros Hospitalários, que nesta proximidade detinham a Comenda de Rossas desde os alvores da nacionalidade, com propriedades e direitos, para além doutras, na freguesia do Burgo (a que Dona Mafalda havia atribuído Foral em 1229), onde, de resto, aqueles estabeleceram o seu lagar de Azeite, no lugar do Pisão, ao fundo das lavouras de Alhavaite.


As boas relações de Dona Mafalda Sanches com os Cavaleiros da Ordem do Hospital de São João de Jerusalém (mais tarde ditos também de Rodes e de Malta), são conhecidas, nomeadamente, aquando da proteção e abrigo que estes lhe prestaram por ocasião do diferendo que teve com seu sobrinho e futuro Rei D. Afonso III. Por cá, ficaram célebres as capitulações de pazes feitas em Rossas, em 1234, a que assistiu o bispo do Porto D. Pedro Salvadores, entre a própria Dona Mafalda e os Cavaleiros da Ordem do Hospital, em virtude de uma briga entre criados daquela e certos cavaleiros desta.

Relações que bem se deduzem, ainda por certas e mútuas doações de bens e objetos, como seja a queixada com três dentes atribuída a São Brás, na altura uma das mais significativas e veneradas relíquias introduzidas em Portugal pelos Freires do Hospital, doada por estes a Dona Mafalda; ou a deixa testamentária destinada por esta em favor daqueles. 

O que tudo terá contribuído para que, em 1309, se outorgasse uma Carta de Confraternidade entre o Mosteiro de Arouca e a Ordem do Hospital, então sediada no Mosteiro de Leça do Balio e pode muito bem ter(-se) justificado (n)o patrocínio e/ou edificação do Memorial de Santo António ou Arco da Rainha Santa. Na certeza, porém, de que não se tratou de uma obra de iniciativa popular, das monjas de Arouca ou de qualquer outro Mosteiro.