9 de dezembro de 2018

As identidades dos arouquenses


   No “post” de 25 de novembro que intitulei “Homo sapiens arouquensis? A identidade dos arouquenses” citei um texto de Filomeno Silva que ensaia traços da identidade dos arouquenses, e fiz duas perguntas. Nesse mesmo dia, creio, havia sido publicado neste blogue um texto de Miguel Quaresma Brandão intitulado “Uma ‘Cana Verde’ sublime, que entoa Arouca e os arouquenses: autêntica e telúrica!...” em que o autor aludia ao “insigne etnógrafo arouquense Albano Ferreira” e à qualidade dos seus textos sobre Arouca e sobre os arouquenses. O mesmo Miguel Quaresma Brandão voltou ao tema, falando-nos de quem foi Albano Ferreira e refletindo sobre a identidade de Arouca e dos arouquenses. Louvo os seus textos. Aprendemos muito com o que lemos.
   Tenho em casa os três primeiros números da revista Rurália, editada pelo Conjunto Etnográfico de Moldes. Não sei se chegaram a sair mais alguns números desta revista. Pus-me agora a folheá-la à procura de um texto que me diz muito, mas dei com os olhos num outro, que vem muito a propósito disto da identidade de Arouca e dos arouquenses.
O texto da Rurália, do 3º número, é de Geraldo J. A. Coelho Dias, resulta de uma comunicação que apresentou em 1993 e intitula-se “A dialética da ruralidade e da religião em Arouca”. Transcrevo os três primeiros parágrafos.
   “Arouca foi classificada como concelho rural de 2.ª classe e, de facto, a ruralidade, aqui, é visível a olho nu; resulta da própria configuração geográfica da região com vales e serras, mas também das condições sócio-económicas do viver das gentes de Arouca.
   Com efeito, a estrutura geográfica do concelho moldou, de longa data, as condições de vida do homem arouquense, que teve de procurar na terra as possibilidades do seu sustento e a garantia da sua sobrevivência. Assim, o amanho dos campos, sobretudo no vale do Arda e nas leiras e socalcos dos montes e encostas, deu-lhe uma vocação vincadamente rural, agrícola. Por sua vez, as serras altaneiras e imponentes que formam uma coroa de defesa à volta da vila de Arouca, haja em vista a serra do Gamarão a norte, a serra da Mó a nascente e a ecologicamente ainda pura serra da Freita a sul, estas serras favoreceram e estimularam a vida pastoril de muita gente dispersa nas aldeias das alturas e encostas, como Drave, Silveirinhas, Janarde, Covelo de Paivó, Cabreiros, Albergaria da Serra, etc.. Por último, os maciços florestais, a meia encosta, esses atiçaram o trabalho dos lenhadores e a exploração dos madeireiros.
   Temos, portanto, que campos, serras e florestas são os raios vectores ou as matrizes geradoras da ruralidade inata do homem arouquense no passado e no presente. É esta ruralidade, isto é, a espontânea e quase instintiva tendência para a vida agro-pecuária que distingue este concelho de Arouca no contexto dos concelhos portugueses e o torna uma mina inexaurível e fecunda para os estudos de etnografia, um ubi privilegiado de Folclore. No apego à terra, esta gente de Arouca mantém puras e vivas as tradições dum passado distante, mas que são o cordão umbilical da marca de autenticidade do ambiente vital, que aqui se experimenta e frui.”
   Temos, pois, que nisto de procurar dizer a nossa identidade (quem fomos e quem somos, o que nos identifica e o que nos distingue), há várias vozes, distintas, dissonantes, complementares. Talvez sinal de haver identidades mais do que identidade.