31 de dezembro de 2018

As alminhas, estes pequenos monumentos




   As alminhas são um elemento singular da arquitetura popular ao serviço da devoção religiosa. Muito comuns nos espaços rurais do Norte de Portugal, estes pequenos monumentos religiosos situam-se à beira dos caminhos, sobre os muros, embutidos nos cômoros ou eretos nas encruzilhadas. Geralmente em forma de nicho ou de oratório, umas de granito, outras de betão, outras de metal, mais discretas ou mais vistosas… São lugares de sacralização dos espaços públicos e da vida pública.
   A representação das almas em figura humana é em si uma contradição, uma vez que as almas não têm forma material, não têm corpo. Porém, como nos é difícil conceber algo sem que se represente, nem a Santíssima Trindade escapa à nossa necessidade de representar. Quanto às almas, representam-se normalmente em pinturas, ou seja, em duas dimensões, e não em imagens tridimensionais (estátuas), como que precisamente a significar que se trata de um símbolo e não de uma materialização daquilo que não é matéria.
   A presença de alminhas à beira dos caminhos da vida é um permanente lembrar da nossa condição de frágeis peregrinos mortais a caminho... São também testemunhos de uma época em que era natural andar a pé por caminhos e carreiros, em que atravessar a pé os lugares habitados e os sítios ermos era do necessário e do quotidiano. Não se caminhava por caminhar, nem por desporto, nem por turismo.
   Em Arouca devem ser centenas, estes pequenos monumentos. Em Arouca, território no qual “o monumento” por excelência é o gigante e granítico mosteiro, as alminhas são argueiros, à vista da trave que é o mosteiro. Em Arouca, território para o qual os multipremiados passadiços do Paiva têm atraído hordas de turistas que viajam horas de automóvel para vir caminhar um pouco e depois viajar horas de automóvel e de alma cheia.
   As alminhas são insignificantes à beira de tudo isso, bem sei. Não têm monumentalidade, nem arte, nem beleza, nem têm já grande funcionalidade. Não são precisas para nada. Mas, fazem-me lembrar algo que ouvi recentemente: S. Francisco de Assis terá dito ao irmão jardineiro “Irmão jardineiro, deixe uma pequena faixa no jardim sem cultivar, pois as ervas daninhas também merecem viver”. As alminhas também merecem viver e ser reconhecidas. Seria interessante inventariar e estudar as alminhas espalhadas por Arouca. Se alguém com tempo e gosto se quiser lançar a isso, porque não?
A imagem acima é tirada de um livro que por acaso folheei há dias: Pe. Francisco de Babo – “Alminhas”: padrões de Portugal Cristão. 2ª ed. Ermesinde: Colégio de Ermesinde, 1954.