13 de março de 2019

O ÚLTIMO CAPITÃO

Dito filho de mãe solteira e pai incógnito, corria-lhe nas veias, no entanto, sangue do mais nobre e privilegiado do vale de Arouca, em que, contudo, não se viu legitimado, senão pelas patentes militares em que se viu investido.
Com efeito, no auge da juventude, quando os namoros lhe deveriam preencher os dias, viu-se reclamado às fileiras militares. A ameaçadora ambição de Napoleão precipitou a criação e reorganização das Ordenanças e Milícias locais, que o catapultaram para a dianteira dos pelotões, em que actuou numa vertiginosa ascensão de posto, cujo topo atingiu já às portas das contendas entre absolutistas e liberais, que o haveriam de dividir enquanto civil e militar.
Viveu no tempo em que o Liberalismo se impôs sobre o Antigo Regime, com promessas de liberdade, igualdade e fraternidade, e sobreviveu a todos os mais destacados oficiais de Arouca, deles podendo dizer-se o último.
Do ponto de vista amoroso, os seus relacionamentos foram tão fugazes e discretos que não se lhe refinaram o trato e os modos. Quando se lhe desfez o contingente e se viu desamparado, achou-se, no entanto, já velho para casar e assumir filhos, do que se terá arrependido progressivamente, ainda a tempo de recuperar da roda dos enjeitados a sua Rosa, que reconheceu e dotou para casar, fazendo-a sua herdeira, para sustento da respectiva prole e continuidade da casa.
Já no crepúsculo da vida sentiu-se acometido de enfermidade que lhe ameaçou a vista e o fez apelar às graças dos céus e murmurar sentimentos e desejos que a vida lhe reprimiu.
Num fôlego quão sofrido e desesperado como divertido, manifestou por sua última vontade pretender ser sepultado no adro da igreja, à entrada da porta lateral, virada à sua casa da Comenda, de maneira a ficar a ver as pernas às cachopas da Cavada. Vontade que se cumpriu!
O período em que viveu foi dos mais controversos e, por isso, mais ricos períodos da história do continente europeu e do reino português, com impactos e mudanças significativas no modo de vida e organização das sociedades locais, que vale a pena revisitar para melhor entendimento dos factos que alicerçaram o tempo em que vivemos.

Esta é a sinopse do meu mais recente trabalho de investigação histórica e genealógica, a que dei o título "O ÚLTIMO CAPITÃO DE ORDENANÇAS E MILÍCIAS DE AROUCA E A TRANSIÇÃO DO ANTIGO REGIME PARA O LIBERALISMO". Começou por ser apenas uma investigação (como tantas outras que por hobby tenho feito), mas sobre o último capitão de Rossas, e era para ser um romance histórico... Porém, fugiu-me para além do último capitão e dos limites de Rossas e só por breves e esparsas passagens deixei que se diluíssem e expandissem os factos, sustentados por mais de oitocentas notas de roda-pé.

Afirmar este como o último capitão, implicou pesquisar e saber sobre a maior parte dos mais destacados oficiais locais, pelo que este trabalho é também uma boa resenha sobre as ordenanças e milícias de Arouca e dos seus protagonistas, desde 1580.

A páginas tantas - reconheço - "perdi mesmo o capitão por algum tempo...”, - cerca de 15 anos - e cheguei a temer tê-lo feito inconscientemente. Mas, não. Mais do que organizar a história do protagonista em torno do qual faço girar os factos, foi-me irresistível neles circunstanciar a história dos acontecimentos do tempo em que aquele viveu e que vieram a alicerçar a organização político-social do tempo em que vivemos.

Há, com efeito, no período em estudo (de 1791 a 1873), factos e acontecimentos da história local arouquense que se enquadram em factos e acontecimentos da história nacional, cujo enquadramento me parece oportuno e de que não quis abdicar. A história das Invasões Napoleónicas e/ou das Lutas Liberais está mais do que estudada e sistematizada. E a transição do Antigo Regime para o Liberalismo também. No entanto, como se verificará, não estão estudados muitos dos factos e acontecimentos locais de Arouca nem evidenciados alguns dos seus protagonistas, que se relacionam com essa história. É verdade que sem relevância para a história nacional, mas com muita importância para a nossa história local.

Ainda não tem data prevista nem apoios reunidos para publicação. Para já, como outros, fica-se pela edição policopiada, de 140 páginas, formato A4, que já anda por aí a pedido de vários interessados, nomeadamente, conterrâneos, descendentes e familiares de Feliciano António Ferreira de Vasconcelos - o último capitão.