21 de janeiro de 2019

Sou o Zé das Quintas...- Memórias de emigrante (1/3)

Lembrança de uma época passada e de percursos de vida comuns a muitos dos nossos conterrâneos.
O Zé das Quintas é o meu pai.
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Deilão, 2 de fevereiro de 1967,

Sou o Zé das quintas. Tenho apenas 16 anos. Nascido e criado em Deilão. Pequena aldeia de pouco mais vinte almas perdida algures entre Covas do Rio e Janarde.

Minha vida é uma rotina diária. Desde do amanhecer, trabalho no campo e trato do gado. Raras diversões a não ser apanhar bogas no rio e disfrutar das poucas romarias em redor.

Não vivemos bem ou mal. É assim. Vivemos apenas. Sem realmente sofrer de nossa condição porque não conhecemos outras.

Chega-nos, no entanto, um ruído, cada mais forte, notícias de um ultramar que deveríamos defender. Defender algo do outro lado da terra enquanto o meu mundo vivido limita-se a um raio de 20 km ao redor de Deilão? Eu que apenas vou a «Bila» 2 ou 3 vezes por ano.

Meu pai não quer que eu participe numa guerra que não considera a dele. Já enviou meu irmão para o Brasil há alguns anos por esse motivo. Chegou a minha vez. Vou partir. Já contatou e pagou o passador. Vou para a França. Saio hoje. Pela noite dentro para o mundo obscuro.

Sinto-me dividido entre o entusiasmo de descobrir novos universos e a ansiedade de me confrontar a eles. Tenho medo. Sei que a viagem, «O Salto», será difícil. Será longa. Estou ansioso também de não saber quando voltarei. Triste de deixar os meus pais e amigos. Serà a última vez que vejo a minha avó por quem eu tenho um carinho especial?

Mas não me pergunto se é a escolha certa porque não tenho alternativa. Trata-se de sobrevivência. Saio daqui ou potencialmente morro! Como tantos otros que não voltarão do Ultramar.

Sou o Zé das quintas, com apenas 16 anos, e hoje vou a caminho do mundo desconhecido!

Darei-lhes conta, uma proxima vez, da minha viagem. Do meu salto. Da minha chegada em França.

Até Breve.
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"Porque quem deixa o seu torrão natal,
E fora dos seus caminhos põe os pés,
Quando troca o certo pelo incerto.
Motivos há-de ter."
Adriano Correia de Oliveira – Emigração