(Capela da Senhora da Mó. Foto tirada a 13-10-2018) |
Faz hoje três anos, a 11 de novembro de 2015 participei numa sessão promovida pelo projeto Ler Todos++ dinamizado pela Escola Secundária de Arouca. A iniciativa, em registo de tertúlia, denominou-se “Por entre livros, castanhas e Pão-de-Ló” e a sua memória está registada aqui.
Vem isto a respeito de uma sugestão que apresentei na ocasião e que volto a colocar sobre a mesa.
Em 1965 Miguel Torga visitou Arouca e subiu ao monte da Senhora da Mó, onde registou no seu diário: “Arouca, Senhora da Mó, 23 de agosto de 1965. / Também no reino de Deus há ricos e pobres. Os que vivem nas sedes do poder, e os que vegetam nas sucursais. Lá em baixo, no convento, a segurança, a opulência, o convívio; aqui, nesta pequena ermida, a incerteza, a miséria, a solidão. Mas são os divinos desafortunados que eu admiro. Negam na própria desgraça a graça sobrenatural, e proclamam de cada píncaro a extensão maravilhosa do natural.” (Miguel Torga – “Diário X”. [1ª ed.]. Coimbra: [ed. autor], 1968, p. 60).
O registo é uma crítica social através de uma sucessão de metáforas e comparações. Permite muitas leituras. Não o vejo como uma simples e datada crítica à Igreja Católica do seu tempo. No meu entender, este texto transmite, entre outras mensagens, uma experiência existencial, um certo pessimismo e descrédito na humanidade. Um pessimismo que é normal que nos tome quando nos percebemos membros desta humanidade desumana, que é capaz de investimentos astronómicos para colocar sondas em planetas distantes ao tempo que abandona o próximo à fome. Um pessimismo contrabalançado, porém, com o otimismo que advém de se ver além da mesquinhez humana. Torga viu-o do monte da Senhora da Mó.
Pois bem, a minha sugestão foi e é a seguinte: instalar-se no monte da Senhora da Mó uma placa com este registo do diário de Miguel Torga aí gravado. Colocá-la num local do qual se possa ver aquilo que Torga viu: o mosteiro, a ermida e os píncaros das montanhas. Se alguém dos “que vivem nas sedes do poder”, e com poder-vontade para tal, quiser, agarre a sugestão e ordene a obra. Se não, deixe estar.