De tempos em tempos, como se fosse uma visita de velhos
companheiros, recebemos cá por Arouca uma companhia de circo. Sem datas
marcadas, sem grandes avisos, só damos por eles quando se começam a instalar
quase sempre ali à entrada da Vila na Rotunda do Lavrador, e a espalhar pelos
sítios do costume e ondas da rádio, os pequenos avisos gastos de muito
repetirem as mesmas proezas, anunciando os espetáculos que irão fazer sorrir as
crianças e sonhar muitos adultos. Para mim e por ser cá, o circo é sempre
melhor e diferente...
O espetáculo do circo iniciou se no séc.200 a.C. e era um
divertimento necessário para evitar atos revolucionários. De lá para cá foi
adotando diversas cambiantes, manteve se sempre com atitudes de lazer e
distração, refinou a magia e o encantamento, inventou mais truques e motivos de
curiosidades, mas ganhou concorrentes muito mais modernos, eficientes e
poderosos. A maior parte das companhias que nos visitam são humildes com reportório muito limitado, sem grandes adereços, animais selvagens substituídos
por pequenos domésticos que muito se esforçam para parecerem suplentes à altura,
pássaros de uma brancura esmerada que só lhes falta falar, instalações que já
viram melhores dias, e artistas multifacetados que saltam do trapézio para
palhaços ou malabaristas, com a magia e habilidade a nunca faltar para deleite
dos nossos olhos. Nos intervalos vendem pipocas e pequenas máquinas com luzes e
sons que fazem lembrar a India, o Paquistão ou a China, mas que as crianças
desejam mostrando como o Mundo está global e tudo serve para quebrar o enfado
da TV e dos smartphones dos pais. Daí para a frente, vontades satisfeitas, assumem
uma postura de recato e bom comportamento, quiçá por influência das luzinhas e
monotonia dos acordes. Depois deste espaço é até possível para os mais audazes,
calcar a pista ondulada pelas muitas voltas, no dorso de um cavalinho, mesmo ao
lado de um verdadeiro artista, e sentir mais intensamente esta magia de
cavaleiros em busca de novas descobertas. Depois falta mesmo é esperar pelas atrações
finais. Aí as estrelas do espetáculo, podem transformar-se em domadores, mágicos
ou porteiros, e até colocam a vida em risco como diz com sotaque e tremuras de
aflição o apresentador, subindo para um canhão e sendo projetados como homens
bala, mas para perto, que nos dias de hoje prenhes de dificuldades a pólvora é quase toda sêca e
o corpo é frágil e desarranja-se num instante. O que não perdem é a dignidade e
o orgulho de pertencerem a uma classe de nómadas dos tempos de hoje e levam a
vida que muitas vezes identificamos com alegria, prazer, viagens, descobertas e
imensa felicidade, tudo muito embrulhado em ambientes de mistérios e surpresas
de espantar. Sempre que cá vêm são bem recebidos e mudam radicalmente o dia a
dia de muitas crianças desfavorecidas ou não. Até os pais agradecem. E os avós
já agora. Para mim nunca foi sacrifício visitar o circo e partilhar aquelas
emoções com os meus filhos e agora netos. Sempre que posso vou acompanhá-los.
Desta vez fiquei surpreso com a magia, tinham uma máquina que trespassava um
corpo e nem um ferimento acontecia, espada para cá, espada para lá e nada. O
artista tanto estava aqui, como aparecia acolá. Seria com um caixote destes que
o membro da Assembleia que faltava estando presente conseguia tal proeza? E
aqueles ares de inocentes dos sempre falsamente acusados, tão em moda no
desporto, nos criminosos, de grandes ou pequenos delitos, teriam eles aprendido
com os palhaços ricos, aquele ar sorumbático? Ou com os palhaços pobres? Com
estes não, que é o mais o nosso papel. Grande circo por aí anda. Tinha assunto
para deixar o picadeiro, vermelho de vergonha. Continuo a preferir os que nos
visitam, sei o que vou encontrar e melhor ou pior, com os pés quentes ou frios,
faça chuva ou calor, num banco torto ou numa bancada a tremer das emoções,
sinto aquela vertigem de olhar para o pequeno trapézio que anda para cá e para
lá, vou espreitando para a gasta cortina que serve de entrada a tantas
surpresas boas, dou umas boas gargalhadas, respiro aqueles pedacinhos de
aventura e mistério e até estremeço de susto quando um cão feroz ou outro
animal disfarçado de tal dá um salto maior para apanhar um pedaço de prémio. No
circo temos que acreditar em tudo. Para a próxima não se esqueçam, venham ao
circo.