23 de abril de 2019

A Pensar Alto. O ementar das almas. Um ritual da Quaresma em terras de Fêrmedo

Interior da Igreja de Fermedo, Arouca.
Portugal é ainda um país de imensa religiosidade, tendo nestes tempos da Quaresma um sem número de eventos que recriam tradições pascais misturando o religioso com o profano e em muitos casos aproveitando estas comemorações para mais uma forma apelativa do turismo que por cá nos visita. Cá por Arouca e para além das festividades tradicionais da Páscoa, com as missas, confissões, a procissão do Senhor e a visita Pascal ainda muito habitual, dois acontecimentos se distinguem, a Procissão dos Fogaréus na Vila e o Ementar das Almas em Fermêdo, evento não muito conhecido mas enraizado e a ganhar de novo grande importância naqueles espaços. Desde sempre a religião cristã foi pródiga em rituais com uma carga enorme de superstição assimilando com facilidade alguns desses valores, surgindo com naturalidade a ementa ou encomendação das almas, onde o nosso povo entre outras coisas se penitenciava de grandes pecados ou tentava cumprir as promessas feitas em horas de dificuldades, que são sempre uma última solução. De alguns anos a esta parte o Grupo Etnográfico de Danças e Cantares de Fermêdo, na altura da Quaresma, com os seus membros e participantes interessados, faz uma reconstituição desta tradição, e este ano, durante dois dias, repetiu as rezas e seguiu os preceitos de um razoável encomendador. Saindo da porta da igreja de Fermêdo munido da vara adequada e depois de feitas as invocações respetivas às almas, partiu em direção aos montes da vizinhança, em silêncio, sem olhar para trás, entoou uma reza que se seguisse a tradição devia ser ouvida em cinco freguesias e ouviu ele também as pessoas que quiseram colaborar rezando  pelos falecidos e entoando cânticos religiosos, gerando se nos intervalos um silêncio espesso que muito ajuda a uma atitude de reflexão, transformando a noite mesmo amena, numa nascente de receios e tremores. Terminada a volta o ementador regressa à igreja e entrega as almas a Deus, completando este ritual de crença e história das gentes desta região. O atrás descrito não passa de um resumo diminuto e provavelmente pouco esclarecedor de uma das mais interessantes atividades no tempo da Quaresma no nosso Concelho. Fiquei com curiosidade acerca desta realização e logo que possível irei presenciar pessoalmente tal representação de mais esta crença popular, tão perto de nós, e de que poucos ouviram falar. Este pequeno texto tenta apenas despertar a curiosidade e informar, mais nada. Agradeço as informações prestadas pelo Sr. Valdemar da casa da cultura de Cabeçais que me esclareceu com muita oportunidade e consultei também o livro de Marina Perestrelo,”Alma do Povo a que pertenço.” Conhecer a nossa terra é um exercício que nunca devemos dar por concluído, de repente mais uma descoberta e mais um pedacinho da história que nos formou e a que pertencemos também. Se visitar estes lados, aproveite e conheça a igreja de Fermêdo, iniciada por volta de 490 d.C. e com uma bela história a envolvê-la até aos dias de hoje. Se conhecermos o passado enfrentamos o futuro com mais segurança e experiência, daí a importância da nossa história.