29 de agosto de 2019

No 75º Aniversário da Feira das Colheitas, recordar e homenagear o seu fundador: António de Almeida Brandão

 Aproxima-se o 75º aniversário daquele que é, inquestionavelmente, o maior e o mais importante evento do concelho de Arouca: a Feira das Colheitas. São as 'bodas de diamante' de um elemento estrutural e estruturante da identidade de Arouca e dos Arouquenses e que os Arouquenses sentem «como seu», como «fazendo parte, de modo natural, da sua identidade». A Feira das Colheitas (que é, como sempre foi, uma montra da identidade autóctone e endógena de Arouca e dos Arouquenses) é um evento com impacto nacional e também é recordada e vivenciada pelos Arouquenses e seus descendentes espalhados pelo Mundo, em particular no Brasil e em França. É um elemento constituinte de Arouca que, provavelmente, quase a totalidade dos Arouquenses sabe que existe e que ocorre, todos os anos, no mês de Setembro. 
 Idealizada e fundada pelo ilustre arouquense António de Almeida Brandão (n.Casa de Telarda, Rôssas, Arouca, 1893 - m.Casa de Eidim, Rôssas, Arouca, 1986) a partir do Grémio da Lavoura de Arouca (do qual foi um dos elementos fundadores e do qual era, nessa altura, seu gerente, cargo para o qual foi eleito, à semelhança daquilo que também aconteceu quando ocupou, durante vários anos, a presidência da Direcção do Grémio da Lavoura de Arouca), a primeira edição da Feira das Colheitas realizou-se no ano de 1944, há 75 anos atrás, num contexto de grave crise económica que se fazia sentir em Arouca, em Portugal e na Europa, devido às consequências perniciosas do deflagrar da Segunda Guerra Mundial. António de Almeida Brandão também foi o fundador da Cooperativa Agrícola dos Produtores de Lacticínios de Arouca, seu primeiro presidente eleito e, por inerência desse cargo, presidente da Mútua do Seguro do Gado. Depois de vários anos como presidente da Direcção da Cooperativa Agrícola dos Produtores de Lacticínios de Arouca, o prof. Telmo Pato seria o seu sucessor, eleito durante mais de quatro décadas. A evolução e a fusão dessas instituições arouquenses, presididas e dirigidas por António de Almeida Brandão, originaram a moderna Cooperativa Agrícola de Arouca que, de algumas centenas de associados, na década de sessenta do século XX, passou a ter, com o decorrer do tempo, os milhares de associados que tem na contemporaneidade.
 O objectivo da acção do Grémio da Lavoura de Arouca, protagonizada por António de Almeida Brandão, era, para contrariar a grave crise económica que se verificava em Arouca, aumentar, significativamente, a produção agrícola, em particular a produção de cereais. Para isso, para estimular o aumento da produção agrícola, foram realizados concursos, entre os lavradores e agricultores de Arouca, das melhores searas, da melhor fruta, da melhor adega e do melhor linho, integrando também o concurso de raça bovina arouquesa que já existia no concelho e que permaneceu, ao longo das décadas, na Feira das Colheitas, sendo, no presente, um concurso de âmbito nacional e não apenas concelhio.
 Esse objectivo estrutural da Feira das Colheitas foi concretizado com grande sucesso em Arouca, num concelho que, de deficitário na produção de cereais, passou, passado poucos anos, a ser exportador de cereais, em particular exportador de milho. De modo concomitante, a Feira das Colheitas começou a realizar, anualmente, a Exposição Agrícola e do Artesanato de Arouca, onde ficaram célebres as belíssimas exposições de fruta, bem como as belíssimas exposições de ouro e de peças de linho das casas tradicionais de Arouca, sendo também, como é bem conhecido e identificado, o grande evento pioneiro, responsável, em Arouca, pela recuperação das danças e dos cantares tradicionais, bem como do trajo tradicional de Arouca, onde se constituíram e de onde se formaram os ranchos folclóricos de Arouca, dos quais se destacam o extinto Rancho do Merujal e o Rancho de Moldes, mais tarde renomeado de Conjunto Etnográfico de Moldes de Danças e Corais Arouquenses, etc.

António de Almeida Brandão ladeado, entre outros, pelo Doutor Domingos de Pinho Brandão e pelo prof. Joaquim Brandão de Almeida. Fotografia dos fins da década de sessenta ou dos inícios da década de setenta do século XX.
Foto: Jornal «Defesa de Arouca»

 Foram esses alguns dos elementos estruturais de um evento que foi idealizado, fundado, organizado, promovido e fomentado pela grande capacidade trabalho de António de Almeida Brandão (agraciado por várias instituições e pela Presidência da República Portuguesa com a Ordem do Mérito) e que foi uma personalidade de muito prestígio em Arouca, que dirigiu e presidiu, durante o século XX, com abnegação e sem ser remunerado, a várias instituições fundamentais do município de Arouca, algumas das quais fundou (na altura da fundação da Feira das Colheitas, também era presidente da Câmara Municipal de Arouca...).
 Foi a iniciativa estrutural de António de Almeida 
Brandão, a partir do Grémio da Lavoura, que configurou a Feira das Colheitas como grande evento concelhio de impacto nacional (num acto individual que não surgiu, portanto, de uma política emanada do Poder Central do Estado Português) e que foi a primeira Feira desse tipo que surgiu no País, anterior à Feira do Ribatejo, hoje Feira Nacional da Agricultura, cujo aparecimento se verificou em 1953, ou seja, nove anos mais tarde. O fundador e promotor da Feira das Colheitas, que era um entusiasta do desenvolvimento e da aplicação das Ciências e das Técnicas, pretendeu, claramente, fomentar o impacto de Modernidade na estrutura tradicional de Arouca, cuja actividade económica se centrava na Agricultura, entendendo também a Feira como uma montra anual e festiva dos elementos identitários, autóctones e endógenos, do território de Arouca e dos Arouquenses. 
 Como é óbvio, as actividades económicas, em Arouca, já não estão centradas apenas na Agricultura (que continua a ter muitíssimas potencialidades em Arouca, infelizmente sub-aproveitadas...), mas a intencionalidade originária e o evento originário da Feira das Colheitas nunca foram tão actuais como no presente e, por essa razão, mantêm-se e actualizam-se, todos os anos, com prestígio e muito sucesso. 
 Fazendo uma muito breve retrospectiva histórica...: fundada por António de Almeida Brandão e em termos institucionais organizada pelo Grémio da Lavoura, a Feira das Colheitas, depois, passou a ser organizada, com um curto período de interregno no início da década de setenta, pela Cooperativa Agrícola de Arouca e, depois, passou a ser organizada, e bem, pela Câmara Municipal de Arouca, porque a Feira das Colheitas, na actualidade, funciona mesmo como as 'Festas Oficiais do Concelho de Arouca', com a colaboração de outras instituições de Arouca e da Região Norte, das quais uma das mais relevantes, como é óbvio, continua a ser a Cooperativa Agrícola de Arouca. 
 E a Feira das Colheitas deve sempre continuar a ser as 'Festas Oficiais do Concelho de Arouca'. Pela sua singularidade identitária e pela sua intencionalidade precoce de Modernidade, aplicada aos elementos autóctones do território concelhio, a Feira das Colheitas, sabem-no bem todos os Arouquenses, é uma Feira e uma Festa de Arouca e de todos Arouquenses para todo o País e para todo o Mundo e, portanto, neste seu 75º aniversário, como é óbvio, será um acto de grande justiça a Cooperativa Agrícola de Arouca e a Câmara Municipal de Arouca recordarem e homenagearem o seu fundador: António de Almeida Brandão, porque, como bem elucidou o etnógrafo arouquense Albano Ferreira: 

" A Feira da das Colheitas é uma organização imediata do Grémio da Lavoura, mas, na realidade, um empreendimento de um só homem - o senhor António de Almeida Brandão. E, como realização de um só homem, sujeita a percalços e a contingências, que se torna necessário acautelar para que se não venha a perder esta admirável realidade que é a Feira das Colheitas. O dinâmico e aparentemente sorumbático empreiteiro da Feira tem sido e é, sem ofensa ou menosprezo para quem quer que seja que tenha estado à frente ou colaborado na obra ou finalidade do Grémio da Lavoura, pela continuidade de presença neste organismo, o homem indicado para estar à sua frente, pois muito a tem prestigiado. Senhor António de Almeida Brandão: Vemos o perigo, sempre iminente, da sua ausência ou desaparecimento. O Grémio é um organismo electivo, isto é: pode ou não conservar ou afastar os seus dirigentes e demitir os seus funcionários. E como homem, o senhor António de Almeida Brandão, está sujeito às contingências (longe vá o agouro...) da doença e da morte. E é ocasião de perguntar: Que sucederia se alguns destes fenómenos surgissem? Quem estaria aí, como testamenteiro, para continuar a obra do senhor António de Almeida Brandão? Quererá ele, como arouquense, que se perca ou esqueça uma obra que é sua? Ao próprio dinâmico e calado obreiro deixo a resposta a esta pergunta no que ela contém de perigo e precaução.(...)", ao considerar previamente que "A Feira das Colheitas deixou já de ser um acidente na vida do concelho, porque se tornou no acontecimento, na «realidade» da nossa terra. O que ontem foi ou teria sido uma tentativa ou uma experiência transformou-se já numa tradição radicada, que não pode perder-se nem abastardar-se, mas antes manter-se viva e engrandecida. É hoje, sem dúvida, a maior festa - porque de festa, afinal, se trata - a mais querida e ansiada de toda a gente: - para os lavradores, como obra sua e revelação das suas possibilidades e do seu esforço; para o comércio, a única oportunidade grande para o seu negócio; para a gente moça, ocasião de mostrar as suas graças no palco da Praça e para os forasteiros motivo de atracção ou curiosidade ou, como hoje se diria, de cartaz de uma terra antiga e cheia de tradições. " (em jornal «Defesa de Arouca», nº274, Ano 6 - IIªSérie, 8/10/1960)