2 de maio de 2021

Para memória da gloriosa obra que se operou entre nós.


Mais de oito séculos volvidos sobre a chegada de D. Mafalda a Arouca, são ainda muitas as divergências, lapsos, gralhas e imprecisões sobre as datas, nomeadamente de nascimento e morte, bem como sobre as circunstâncias e local em que esta se deu. Por mais obras, artigos e apontamentos que versem sobre a biografia da notável e bondosa Senhora que imortalizamos como Rainha Santa - o que também se presta a inúmeros equívocos -, raras são aquelas que consensualizam uma versão integral dos principais factos da vida desta Serva de Deus, beatificada pelas suas imensas virtudes cristãs e milagrosas intercessões, cujos restos mortais de um corpo que se conservou incorrupto e perfumado por vários séculos se guardam no Mosteiro de Arouca.

Poucas são, com efeito, as biografias que concordam maioritariamente em afirmar e fundamentar que D. Mafalda Sanches nasceu em Coimbra, no dia 11 de Maio de 1195, onde permaneceu até ao falecimento de sua mãe, D. Dulce, data em que foi entregue ao especial cuidado de D. Urraca Viegas, primeiro, e companhia de suas irmãs no mosteiro de Lorvão, depois, até ao falecimento de seu pai, D. Sancho I, altura em que ficou sob tutela de seu irmão, D. Afonso II, até se emancipar. O que aconteceu quando contava já quase vinte anos, ao contrair matrimónio com Henrique I de Castela, que contava apenas onze, mas cujo casamento foi contestado e não confirmado pelo Papa, por alegados motivos de "consanguinidade", nunca se tendo consumado a união, tanto mais que o jovem rei morreu entretanto, tudo ditando o imediato regresso de D. Mafalda a Portugal e o ingresso, por sua vontade, no Mosteiro de Arouca, ainda antes de completar vinte e cinco anos. Também por sua vontade, expressa no seu testamento redigido em Bouças poucos dias antes de morrer em Tuías, aqui foi sepultado o seu corpo.

Por outro lado, são muitas as biografias, artigos e apontamentos que prometem relatar-nos os milagres que contribuíram para a conclusão do processo de beatificação, em 27 de Junho de 1792, mas, não raro, ficam-se pela narração do lendário transporte da sua tumba por uma mulinha, do facto do seu corpo ter sido encontrado incorrupto vários séculos depois, e pela sua aparição no incêndio nas oficinas do Mosteiro, em que, segundo a tradição, quando as monjas se preparavam para retirar da enfermaria os doentes internados, viram D. Mafalda a apagar as chamas com o sinal da cruz, possibilitando a salvação de todos os que ali se encontravam. O que, em todo caso, já não é pouco e seria até suficiente para a sua canonização.

Porém, outras alegadas aparições, devidamente relatadas conforme a tradição, e miraculosas curas, detalhadas pela experiência de testemunhas examinadas presencialmente, contribuíram para que D. Mafalda fosse beatificada. Nomeadamente, a tradição de ter aparecido logo depois da sua morte a algumas religiosas do Mosteiro de Rio Tinto, onde estanciava frequentemente nas suas deslocações, e que lamentavam a falta da sua companhia e, por outra ocasião, sobre a vila do Burgo a cercar e lançar bênçãos para não chegar, como não chegou, o contagioso mal de peste que ali grassava à vila e Mosteiro de Arouca. Esta última tão significativa que se estranha não ter merecido as graças da arte e pouco se compreende não ser sequer recordada, mormente neste tempo e peste que também estamos a viver.

Mas relatadas ficaram também várias curas miraculosas, por alegada intercessão desta Venerável Serva de Deus, como a sanação de um tumor cirroso no fígado, de que padecia a Madre Dona Maria Helena Sofia Pinto de Magalhães, religiosa do Mosteiro; a sanação de um tumor e cancro na face, de que padecia Maria Fernandes, viúva, de Pé do Monte, Santa Eulália; a sanação das alporcas de que padecia Bernardina, solteira, da vila; a sanação de um fonte lacrimal de que padecia António, jovem, solteiro, do lugar de Santo António; e até a surpreendente multiplicação de azeite que se observou numa talha chamada da Rainha Santa; e tanto mais que de 1753 por diante terá ficado por testemunhar e registar...

Acrescem, pois, ao modelo de vida penitente e imensas virtudes de D. Mafalda, sobejas, concretas e gloriosas obras operadas entre nós - que bem podiam e deviam ser mais divulgadas para nosso consolo e esperança -, pois que nem as próprias monjas do Mosteiro resistiram à tentação de tocar a santidade, como ocorreu em 1616, 1617 e, nomeadamente, em 07 de Agosto de 1619, quando se realizou a trasladação da urna primitiva para o jazigo de pedra, também este aberto em 1749 e, particularmente, em 16 de Junho de 1793, quando se deu a composição e trasladação dos restos mortais para o busto de vulto relicário da Rainha Santa que repousa na urna de ébano e prata, que hoje se pode observar na igreja do Mosteiro.