11 de março de 2021

"Mas eu li um estudo que dizia..."


Não poucas vezes damos por nós, numa qualquer conversa, a ouvir ou a dizer, como forma de argumentar uma opinião, o seguinte: "Mas eu li um estudo que dizia..."

A verdade é que, realmente, existem estudos para tudo e mais alguma coisa, sobre qualquer tema ou assunto e com as mais diversas conclusões. Somos capazes, inclusive, sobre uma mesma matéria, de encontrarmos não só conclusões diferentes como contraditórias. E porquê? Como hei-de saber se aquilo que estou a ler é ou não fiável? Por que o "meu" estudo é melhor que "teu"?

A minha ideia não é, de todo, dar uma aula de epidemiologia. Não pretendo, tão pouco, maçar o leitor com uma explicação demasiado exaustiva sobre o tema. Aliás, para que saibam, a área é tão complexa que há teses de mestrado e doutoramento dedicadas ao estudo de estudos.

Ainda assim, acho necessário fazer uma explicação um pouco mais técnica para tornar o assunto mais perceptível. 

De forma bem simples, existem 3 grandes tipos de estudos: os Observacionais (descritivos e analíticos), os Experimentais (randomizados) e os Quase experimentais (não randomizados). Ainda existem as meta análises.

Nos primeiros não existe intervenção de quem faz o estudo, enquanto que nos outros, sim. Ou seja, nos estudos observacionais, o investigador apenas descreve o que se propõe a investigar (tira uma espécie de fotografia da realidade) enquanto que nos experimentais e quase experimentais o investigador cria as condições para realizar uma determinada experiência. Intervém, objectivamente, na mesma. E chega. Para o meu objectivo, esta explicação simples e sucinta, serve perfeitamente. 

Muito importante, então, para sabermos interpretar as conclusões que nos entram pelos olhos, é sabermos que existe uma hierarquia no que à fiabilidade diz respeito. Em teoria, uma conclusão dum estudo experimental randomizado será a mais fiável. A seguir são os quase experimentais e, só depois, os Observacionais. Ainda pudemos apertar mais o crivo e escolher as chamadas  meta análises (análise das conclusões de vários estudos sobre um mesmo tema e perceber para onde tende as diversas teorias). 

Por exemplo, se alguém me disser que viu num estudo observacional que o bagaço com mel cura a constipação e se eu, num estudo experimental, randomizado, duplamente cego e estatisticamente significativo verificar que não faz rigorosamente nada, em teoria, serei eu a ter razão. 

Para complicar isto tudo, mesmo dentro da categoria dos estudos mais fiáveis, existem inúmeros pouco recomendados. Por diversos motivos mas, essencialmente, por serem feitos de forma enviesada. São tendenciosos ou servem determinada agenda. Cheios de conflitos de interesse. E isso sabe-se. Isso está estudado e identificado. A título de exemplo, perceba o leitor que, uma conclusão dum estudo sobre cafés que tenha sido pago por uma determinada marca desse produto, não será muito rigoroso.

Embora este processo de análise pareça complexo, nós, os comuns cidadãos, temos a vida facilitada. Todo este crivo já foi feito por alguém. Apenas precisamos de consultar as melhores revistas e os melhores sites. Lá estarão, em teoria, os melhores estudos e os mais bem feitos. As conclusões mais fidedignas estarão, por exemplo, numa The Lancet, numa Nature ou numa Cell (no que à ciência diz respeito). Pouco me importa, honestamente, o que diz a Men's Health ou a revista Maria.

Para concluir,  gostava apenas de reforçar que não tenho a pretensão de ensinar absolutamente  nada. Trata-se, apenas, dum complemento ao artigo que aqui (link) escrevi anteriormente na esperança, humilde, em aumentar um pouquinho a literacia em ciência e, com isso, ajudar na selecção de boa informação. 

João Pedro Ferreira