6 de dezembro de 2020

Devaneios - a estrada para Alvarenga

Conduzir tendo por companhia apenas os meus pensamentos, ou a ausência deles, é um dos prazeres que tenho, sobretudo se a condução acontecer sem pressa e se for pelas estradas sinuosas de Arouca.  Estas entregam-se voluptuosamente, caem aos nossos pés e guiam-nos por entre a respiração verde, húmida e sussurrante, em letargia, presa no mesmo lugar, entre o antes e o depois, entre o que já passou e o que está por vir, sem tempo, sem cronómetro nem relógio, alheia a qualquer pensamento, vontade ou emoção do visitante, um ponto efémero e ao mesmo tempo eterno, como efémeras e eternas são as manifestações da natureza que ciclicamente e sistematicamente existem e se repetem, em monotonia perfeita, pacífica, inexplicável…


Envolta em suaves brisas que teimosamente empurram a neblina diáfana, sepulcral e mística, observo e contemplo as montanhas, os sobreiros, os carvalhos, os socalcos construídos com os despojos das pedras esventradas pelo Homem...

A estrada está vazia.

Não há mais carros.

Desligo o rádio para ouvir melhor o silêncio.

Sinto-me a percorrer ritmadamente e a deambular no corpo das montanhas. 

Sinto as suas concavidades, subo os altos, desço os desfiladeiros, conquisto as encostas mais íngremes e as zonas mais encrespadas…

Perco-me no tempo.

Devaneio.

Não penso, só sinto.

Não sei o quê.

Invade-me uma paz messiânica (ou sebastiânica?).


Chego ao destino.