Era eu miúdo e ouvi contar diversas vezes uma pequena
história que se reforçava sempre a identificar os intervenientes. Eram nossos,
da Vila, e toda a gente os conhecia. E a história era a seguinte: A família era
muito pobre, na altura nada de espantar, ou de espantar menos que agora, a mesa era grande porque muitos eram
os filhos, mas na hora do repasto pouco havia para lhe colocar em cima. O pai,
fazia o que podia e a solução encontrada era que quando se tinha que dividir
uma sardinha por vários, e misturar com um pedaço pequeno de broa de milho a
fome parecia aumentar e nesse caso o pai, pegava no violão já velho de tantos
enganos e todos juntos cantavam para se distraírem e com aqueles cantos
coletivos conseguiam enganar até o estômago, peça difícil de enganar como todos
sabem. Era uma alegria. Lembrei-me desta historinha agora que o Natal parece
vir mais depressa, damos uma voltas e estamos de novo nele, quando me apercebi do
frenesim que vai por este país com as iluminações a festejar o mesmo. Apoderou-se das autarquias uma febre e uma vontade de tudo iluminar, são enfeites por
todo o lado, árvores, arbustos, portas e portões, janelas e arcos altos e bem
visíveis, rotundas e tudo onde se possa dependurar qualquer adereço de brilho.
E se há pontes ou rios? Aí então é tanta luz que uns óculos de sol nem destoam.
Será que estamos numa situação económica que todos querem ser as novas Paris, Londres ou Berlim? Será que a energia
elétrica entrou no black Friday e não saiu mais? Será que apesar da catástrofe
iminente o iva da luz baixou? Todos tem resposta, é tudo investimento. Que
seria do País se o turismo nos visse de luzes mais apagadas assim a modos como
a entrar em depressão, Ninguém vinha ou confundiam-nos com a Espanha. E o pai
Natal de óculos antigos, sem luzes suficientes para se guiar e às tantas ter
que andar por aí às apalpadelas e trocar as direções? As crianças iriam ter que
brincar com desejos alheios e isso é pouco pedagógico com certeza. Enfrentemos
e mostremos a todo o mundo que por cá não se brinca aos Natais. O País é pequeno
mas dos que mais impostos paga, nisso é gigante, e é sempre a subir, já nem se
inventam explicações, a qualidade de vida melhora para poucos, para o resto é
aguentar de cara alegre, a ginástica mensal para pagar as contas todas está a
dar-nos uma preparação que se houver jogos olímpicos nesta modalidade, somos
campeões e seremos todos recebidos pelo Presidente Marcelo, temos bola agora
até com moderníssima tecnologia, os nossos alunos entram no infantário e sabem
que daí a serem doutores falta pouco, é sempre a abrir, na tv eles casam e
descasam a uma velocidade que até
espanta terem decorado o nome uns dos outros, que mais queremos, e já me esquecia
as tais luzes e luzinhas por todo o lado, umas piscam outras não mas o encanto
das cores encurta as noites e satisfaz os egos, vivo num País cheio de luz. É como na história que comecei por contar, falta-nos uma melhor saúde, agora não há verba para os cuidados continuados,
educação, não há verba para auxiliares, qualidade de vida, muita gente
sobrevive dificilmente, então cantemos e levantemos os olhos para o colorido
dos Natais. Vão ver que tudo passa e ajuda a esquecer. É pena este investimento
só poder realizar-se neste período do ano, pouco tempo para tanto brilho. Aquelas
luzinhas a piscar são a demonstração da enorme vitalidade e criatividade de
muita autarquia e disfarçam as amarguras do ano. Para quê falar do resto, vamos
é para casa apagar aquelas lâmpadas que ficaram acesas porque luxos desses… nós
é que pagamos as faturas.
Boas festas a todos.