9 de dezembro de 2019

"A magia da cidade do arco-íris"

Comentário ao conto infantojuvenil de Maria de Lurdes Duarte, aquando no seu lançamento a 7 de dezembro, na Biblioteca Municipal de Arouca.

Antes de mais quero agradecer à Prof Maria de Lurdes o convite para falar um pouco dela e do conto infantojuvenil que escreveu, convite esse que aceitei imediatamente e que muito me honra.

Conheço a Maria de Lurdes há relativamente pouco tempo - 10 anos - numa circunstância especial: eu, enquanto mãe, ela, enquanto professora primária que veio a acompanhar a minha filha do 1.º ao 4.º anos.

Costumo dizer que as amizades alimentam-se de empatia, respeito e partilha de interesses e que os amigos verdadeiros têm de se conquistar mutuamente. Apesar de algumas divergências de opiniões, aos poucos, nasceu e cresceu a amizade que nos une e que muito me orgulha.

A Prof. Lurdes é dedicada, exigente, disciplinada, atenta, humana, compreensiva, acessível, boa ouvinte e desafiadora.

Pedagoga na verdadeira aceção da palavra, procura na diversidade dos alunos, orientá-los, ressaltando o que de melhor têm, para que consigam ultrapassar as dificuldades, num jogo perfeito de equilibrismo.

Estou a evidenciar a personalidade da Maria de Lurdes porque estou certa que melhor interpretamos as obras quando melhor conhecemos os seus autores.

De facto, neste conto “a magia da cidade do arco-íris”, encontramos um autor conhecedor, um narrador hábil, que domina a linguagem do quotidiano dos jovens, sem a tornar redutora, que doseia a informação, cativando o leitor ao longo da narrativa, intercalando momentos de descrição com momentos de ação. Dá voz às personagens e interpela o leitor chamando-o a participar ativamente na trama. Utiliza recursos estilísticos variados como a metáfora, o humor, a ironia e a crítica que de forma subtil nos leva a “condenar” alguns vícios da sociedade e a “enaltecer” as boas atitudes por serem mais humanas e altruístas.

Se do ponto de vista da estrutura esta narrativa cumpre totalmente os requisitos literários de construção da narrativa (a nível de personagens, espaço, tempo e ação), também a nível da trama ela respeita a morfologia tradicional do conto, onde uma situação problemática coloca em causa a normalidade e os personagens são postos à prova para ultrapassar o problema e repor a normalidade.

Fazendo a analogia com a “Alegoria da Caverna” de Platão, Maria de Lurdes dá-nos a conhecer dois mundos, de natureza antagónica: um localizado no nível inferior, a Terra, mais especificamente a Vila Velha, perdida nos confins do mundo, sugerindo distanciamento, onde habitam dois irmãos, o Samuel e a Magda, e o outro, situado no nível superior, o Mundo Mágico, mais especificamente a cidade do arco-íris, onde figuram como personagens centrais os irmãos Zé e Carol.

O primeiro mundo, terreno, é descrito como cinzento, onde as pessoas são infelizes, onde existe poluição, onde o Sol é prejudicial e abrasador, onde não há água, onde existe excesso de tecnologia, contraposta com falta de humanidade e de educação, onde as brincadeiras ao ar livre são impossíveis, onde os mais velhos são desconsiderados e onde faltam cor e felicidade.

Em oposição, o Mundo Mágico é o mundo da cor, da felicidade, do respeito, da harmonia, da valorização dos mais velhos e da ausência de doenças e de hospitais.

Como acontece em Platão, na “Alegoria da Caverna”, estes dois mundos são postos a comunicar entre si. Maria de Lurdes, de forma criativa, utiliza o fenómeno do arco-íris para fazer a ponte entre dois mundos e faz depender dele a própria sobrevivência de ambas as dimensões, interdependentes.

O elemento que desencadeia a intersecção entre os dois mundos é o desvanecimento das cores do arco-íris, que coloca em risco todo o ambiente e o Planeta, provocado pelos comportamentos dos homens da Terra.

A normalidade é, assim, ameaçada e são as crianças do Mundo Mágico que tomam para si a responsabilidade de corrigir a situação e salvar os dois mundos, sob olhar atento e confiante dos sábios. As crianças são postas à prova, conquistam aliados, ultrapassam os obstáculos e são recompensadas, em benefício próprio mas também de toda a Humanidade e do Mundo Mágico.

De forma resumida, a mensagem que a autora quer transmitir com este conto é que a sociedade deve repensar e modificar atitudes, modelos, comportamentos, adotando modos de vida mais amigos do ambiente, mais sustentáveis, humanos e solidários, renovando a valorização dos valores, do respeito, da gentileza, da educação e da palavra.

Maria de Lurdes Duarte chama a atenção para o papel das crianças e dos jovens no desenho do futuro, sem que os adultos e idosos se desresponsabilizem, porque todos temos um papel a desempenhar, todos somos úteis e necessários e que se assim acontecer, todos os problemas têm solução e que nos cabe a nós decidir como será o final desta estória, que a autora deixa em aberto.

Para terminar, resta dizer que este livro tem uma bonita mensagem, positiva e de esperança, reivindicativa também, que se destina a leitores de todas as idades e que revela a preocupação da autora enquanto cidadã, pedagoga e mãe.

E não há melhor forma de mover pensamentos e corações do que através da literatura, porque, citando a autora, “os livros são asas que nos transportam até ao infinito”.