Todos
nós que tivemos o privilégio de partilhar a nossa existência com ele, nos
sentimos hoje empobrecidos pela sua partida. Todos nós que vivenciamos a sua
alegria transbordante, abafamos, hoje, a nossa lágrima de tristeza pela notícia
que chegou de modo inesperado… exactamente, porque há pessoas que sempre serão
eternas, no nosso coração finitamente humano.
Todos
nós que nos sentimos afortunados pela sua presença, num ou noutro momento da
nossa vida, temos estórias deliciosas que hoje, mais do que nunca, nos envolvem
a memória e nos toldam a emoção.
São
precisamente duas dessas estórias que hoje venho partilhar convosco!
Se a
vida é o tempo que medeia entre o nascimento e a morte, foi precisamente num
momento de nascimento e de outro… de morte que o padre Vilar esteve mais ao meu
lado... de forma generosa e comprometida com a excelência do humano.
1995 – Eu
tinha (quase) 37 anos e estava grávida do terceiro filho. Na época, reinava um
pouco a ideia de que, a partir dos trinta e cinco anos, as mulheres tinham
grande possibilidade de ter um filho com problemas de mongolismo que poderia
ser detectado com um exame - a amniocentese - que requeria, da minha parte, uma
decisão nada fácil.
Um
dia, na sala de professores, chamei-o a um canto e disse-lhe que tinha ali “um
papel” para fazer o referido exame e o que é que ele achava. Ele, sem hesitar,
olhou-me e disse:
- “Rosa
a decisão é tua… mas tu tens naquela escola (referia-se ao ciclo preparatório)
a tua filha Diana (então com 11 anos) e se ela tiver um acidente ao atravessar
a estrada e ficar “deficiente”… tu não vais continuar com ela? Os filhos não se
devolvem… Acrescentou que conhecera um casal jovem com um miúdo com essa “diferença”
e que continuavam os três a ser muito felizes…
Olhei-o
e compreendemo-nos num apertar de mãos que, sem lhe dizer, muito serenou a
minha preocupação de mãe…
Chegada
a casa, partilhei a conversa tida com o Padre Vilar com a minha filha Diana,
que sabia há alguns dias, da minha preocupação e do desafio que seria para nós
ter um menino “assim”. Ali, mesmo, na sua presença, sem destruir a preocupação,
rasguei, definitivamente, o papel…
No
dia do nascimento, e quando a minha filha viu o menino, virou-se para mim e
disse:
-
Oh, mãe, mais perfeitinho não podia ser…
* * *
2007 – São cerca de cinco
horas de uma tarde soalheira, mas demasiadamente cinzenta. A minha filha Diana
(com 22 anos) acabara de falecer… e o Padre Vilar entrava no quarto dela
acompanhado de alguém da família que já não lembro o nome.
Atónito,
olhou-me e disse:
-
Porque é que não me disseste, eu não sabia de nada…
Alguém
presente lhe explicou que tudo se passara num mês… que foi tudo demasiado
rápido…
Olhei-o,
de novo e pedi-lhe:
-Por
favor, quero-o a rezar-lhe a missa do funeral… ela sempre gostou muito de si, desde
que o conhecera como aluna!
A
seguir, eu que num esforço pedagógico de muitos anos, sistematicamente, lanço
questões desafiantes aos meus alunos - e, como que estivéssemos ali os três
sozinhos - pedi-lhe um bocadinho de conforto numa das questões mais profunda e
dolorosamente sentidas que alguma vez pensara colocar ao longo da minha vida:
-
PORQUÊ, Padre Vilar?
-
Olha, Rosa, Deus precisa lá dos bons…
Eu,
que sempre, oscilei entre os domínios (segundo alguns, incompatíveis) da razão
e da fé, senti naquelas palavras uma tamanha serenidade que ainda hoje estas me
envolvem e continuam a contribuir para que seja uma mulher feliz.
Sim,
porque só poderia ser essa a razão e mais nenhuma…
Por
tudo isto, e pelos bons momentos que passamos juntos na escola onde recordo uma
pessoa alegremente desconcertante e com um sentido de justiça muito apurado, o
Padre Vilar, também em mim, deixou uma saudade estranhamente abraçada a uma quietude
que permanece desde os muitos momentos de excelência que tão bem soube
partilhar com todos nós.
Outono
de sol!
Um
dia cinzento de dor…O Padre Vilar, partiu para o céu…
PORQUÊ?
-“Porque
Deus precisa lá dos bons…”
Até
um dia, querido Padre Vilar!
Rosa Sousa