O texto anterior da autoria de Paulo Teixeira, sobre 'O Guarda-Rios', remeteu-me para a parte de uma Tese académica e científica que defendi no ano de 2002, onde descrevo alguns dos antigos modos de pesca nos rios de Arouca. Por pensar que terá bastante interesse, decidi partilhar essa parte da Tese com os leitores deste blogue «Defesa de Arouca»:
" As espécies piscícolas que abundam, nos cursos de água da freguesia, são a enguia (Anguilla anguilla), a truta fário (Salmo trutta fario), considerado, pelos autóctones, o peixe mais nobre, por ser o mais difícil de pescar, de temperamento irrequieto e individualista, o escalo (Leuciscus leuciscus), também denominado bordalo, e a boga (Chondrostoma polylesis), estes dois últimos vivem em cardumes e são considerados de menor valor. No curso de água do concelho com maior caudal, podem-se encontrar também o barbo (Barbus barbus) e a carpa (Ciprinus carpio). Se surgiram, nas casas dos lavradores, ao longo do tempo, várias receitas gastronómicas de confecção da truta com algum requinte, os bordalos e as bogas são confeccionados de modo uniforme, normalmente em caldeirada, escabeche ou em fritadas.
Várias técnicas arcaicas de pesca ainda hoje se mantêm, nas populações ribeirinhas, como a pesca ‘à chumbeira’, rede muito apertada com pedaços de chumbo nas pontas que é lançada sobre os cardumes, recorrendo a um fio que aperta a rede, aprisionando, desse modo, os peixes; a ‘naça’, saco de rede, com a abertura em redondo, que se puxa em sentido contrário à corrente, entrando o peixe na armadilha donde não consegue sair; o ‘tozom’, saco de rede seguro por dois paus que se arrasta pelas margens do rio, ao mesmo tempo que os pescadores batem nas pedras e nos arbustos laterais que o rodeiam, onde se escondem os peixes; o ‘tramalho’, utilização, no período de Verão, durante o dia e durante a noite, de duas ou mais redes compridas que abrangem as duas margens do rio - em equipa, alguns pescadores seguram as redes e outros afugentam o peixe em direcção ao local onde as redes se encontram armadas; e a captura de enguia com um tipo de anzóis denominados ‘âncoras’, com iscos de bogas ou escalos partidos ao meio e ensanguentados, atados por fios grossos aos arbustos situados nas margens dos rios e que são colocados durante a noite.
São técnicas arcaicas de pesca que têm sobrevivido ao longo dos séculos, apesar de serem, quase todas, proibidas pelo poder central do Estado, mas que não desapareceram por fazerem parte dos costumes endógenos das populações autóctones. A técnica de envenenamento do peixe dos rios com uma planta denominada ‘trovisco’ (Daphne Gnadium L.), vegetal arbustivo venenoso da família das Dafnáceas, introduzida em sacos de serapilheira que eram colocados nos açudes, também era uma prática corrente pelos habitantes da freguesia até aos anos sessenta do século vinte, mas que já desapareceu, por ser reprimida pelo poder estatal.
Os rurais atribuem grande importância aos cursos de água por terem sido, durante milénios, uma das condições básicas da sua sobrevivência, para além da relação sagrada que os velhos rurais tinham pelos rios, criando-se vários mitos nos poços mais profundos, de que servem de exemplos, entre muitos, na freguesia de Rôssas, a lenda da existência de uma “grade de ouro" escondida pelos Mouros no fundo de um dos poços do rio Arda ou o facto das populações da freguesia de Espiunca, em épocas de grande seca, costumarem ir, em procissão, à capela de Santo Adrião, localizada na vertente das bacias do Paiva e do rio Sardoura, transportando, depois, a imagem do santo até junto do rio Sardoura, onde praticavam rituais de mergulho da imagem para pedir uma mudança no tempo.
Estes fenómenos são um indicador da importância que a água tem para as populações rurais. É na conjugação desses dois elementos físicos, a terra e a água, que o ambiente rural se moldou ao longo dos milénios. As ‘presas’, reservatórios de água com as paredes feitas de terra e com um orifício para a saída de água chamado ‘boeiro’, situadas nas imediações dos aglomerados populacionais, e as ‘lobadas’, desvios de água nos açudes do rio destinada à rega dos campos ribeirinhos e utilizada como força motriz dos moinhos de água, dos engenhos do linho e dos lagares de azeite, normalmente possuída em rateio entre consortes (denominados também ‘quinhoeiros’) de acordo com sistemas tradicionais de partilha, são exemplos paradigmáticos da complementaridade e da dependência entre esses dois elementos físicos nos espaços rurais. "