7 de julho de 2020

A Pensar Alto! O colégio de Santo António ( ao meu amigo e primo Joaquim Arouca de quem tenho imensas saudades e a quem não pude agradecer a amizade que me dedicava).


Local de encontro de muitos dos nossos estudantes masculinos nos anos cinquenta e sessenta, o colégio de santo António desapareceu sozinho, e em pouco tempo discretamente se vão apagando as lembranças de um local que possibilitou a muitos jovens rapazes frequentarem aulas, e dar os passos que lhes permitiram abandonar a vida triste e sem grandes expetativas que o anterior regime vendia. Foi a porta que se abriu ou entreabriu para muitos jovens rapazes do nosso Vale e de todo o Concelho, que apesar de difíceis deslocações, e outro tipo de sacrifícios, aí encontraram um local onde aprenderam as primeiras letras, e prosseguiram por caminhos muito pouco usados num caminho pleno de descobertas. Foi também aí que tiveram os primeiros amigos, encontraram os primeiros heróis e começaram a aperceber se que por muito que se amedrontem as pessoas com fronteiras e mordaças, o espirito e a ânsia por conhecimentos permite fugir de todas as prisões. Era um prédio sem conforto como eram a grande maioria da altura. Um rés do chão com secretaria, duas ou três salas, um pequeno ginásio, e um primeiro andar quase igual enriquecido com um inicio de biblioteca e laboratório muito rudimentar. Nem aquecimentos nem arrefecimentos, carteiras quanto bastassem, quadros pretos sempre prontos a receber o branco dos pedaços de giz, quase só o indispensável. As aulas eram sempre de manhã e de tarde, não existia cantina e os alunos que não podiam ir almoçar a casa ou traziam logo de manhã ou almoçavam em casas de particulares amigos ou de família ali próximas. Se não me engano havia uma turma por ano de ensino e a quantidade de alunos não era muito grande. Era um ensino dirigido por um padre muito conhecido, o padre de S. Miguel e um professor de Sta. Eulália o Prof. Brito. Se me falta alguém as minhas desculpas, não me lembro de mais. Como alternativa para quem queria estudar, só o Colégio Salesiano na Vila onde todos entravam com a perspetiva de serem futuros Padres mesmo que a vocação fosse pequena mas grande a vontade de aproveitar novas oportunidades. A memória recorda bem os meus queridos e primeiros profs. o Prof. Fernando Justo figura famosa por acontecimentos posteriores, a quem estavam entregue as matemáticas e a Prof. Irene Brandão Rios, pessoa de família que sempre me acompanhou e tão carinhosamente me acolheu. A ela estavam entregue as letras e recebi dela o primeiro elogio pela facilidade na escrita. Estudar naqueles tempos era para privilegiados e imagino agora o que a maior parte dos pais sofreu para pagar a pequena mensalidade que poderia abrir grandes portas que todos queriam ultrapassar. Era um colégio só masculino, as raparigas andavam na Vila no Santa Mafalda, sabíamos que existiam pela bata especial e por algum encontro nos caminhos para casa, onde um simples e desprendido olhar era sinal de grande interesse. Não existiam transportes escolares, muito poucos alunos tinham bicicleta, motorizada eram exceções, e as deslocações eram a pé, umas mais longas, pois os alunos vinham desde Chave, Cabreiros e Moldes até aos lugares mais próximos. Era provável que um ou outro pai tivesse meio de transporte e de longe em longe desse uma boleiazita que sempre ajudava ao descanso. E os profs tinham as mesmas dificuldades. Automóveis um ou dois. E lá vinham invernos rigorosos, caminhos difíceis, sol a queimar, mas transformavam se os esforços em brincadeiras e muitos convívios que nos ensinaram a gostar de ter amigos, a gostar de respirar ar puro, a gostar de fazer poeira pelos caminhos inventados, e ouvir e ver como a natureza se transforma todos os dias e generosa se oferece aos nossos olhos, assim queiramos aproveitar. O ensino era muito diferente do de hoje. O instrumento mais utilizado para relembrar que eramos estudantes e tínhamos que aproveitar o tempo, era uma cana que na mão do Padre era meio cega e caía onde menos se esperava. Se fosse preciso avivar mais as memórias uma palmatória, que muitos nem sabem o que é mas prefiro mantê-los na ignorância. O local para o recreio era um pequeno espaço ao lado do prédio, em terra batida que todas as turmas transformavam para o adequado, tanto era campo de futebol, como ringue de hóquei ou pavilhão para correrias, e até um imaginário campeonato do mundo se lá disputou. E todos aproveitavam aquele espaço de tempo, tudo misturado desde os mais pequenos da primária aos homens do 5º ano, atual 9º.Conheci lá muitos rapazes que por muitas razões nunca mais esqueci, uns amigos ainda, outros já o foram, mas aquela estranha cumplicidade com que enfrentamos tempos tão diferentes nunca mais se perdeu. É isso mesmo, tempos muito diferentes. Tempos diferentes de uma vida muito diferente para todos e que esta rapidez repleta de mudanças  com que fomos vivendo, quase nos fez esquecer. Não me recordo em que ano encerrou as portas, e terminadas as funções até o prédio foi demolido ou reconvertido como é habitual. Ficaram as memórias, e os amigos, só por isso valeu a pena. Há portas que se abrem em locais escuros mas conduzem à luz, foi o caso. E muito mais havia a dizer, mas fico por aqui, deixei a lembrança. Abraço Quim.
(Fotografia da coleção de Adílio Silva a quem agradeço a disponibilidade)

Carlos S. Sousa