Local de encontro de muitos dos nossos estudantes masculinos
nos anos cinquenta e sessenta, o colégio de santo António desapareceu sozinho,
e em pouco tempo discretamente se vão apagando as lembranças de um local que
possibilitou a muitos jovens rapazes frequentarem aulas, e dar os passos que
lhes permitiram abandonar a vida triste e sem grandes expetativas que o
anterior regime vendia. Foi a porta que se abriu ou entreabriu para muitos
jovens rapazes do nosso Vale e de todo o Concelho, que apesar de difíceis
deslocações, e outro tipo de sacrifícios, aí encontraram um local onde aprenderam
as primeiras letras, e prosseguiram por caminhos muito pouco usados num caminho
pleno de descobertas. Foi também aí que tiveram os primeiros amigos,
encontraram os primeiros heróis e começaram a aperceber se que por muito que se
amedrontem as pessoas com fronteiras e mordaças, o espirito e a ânsia por
conhecimentos permite fugir de todas as prisões. Era um prédio sem conforto
como eram a grande maioria da altura. Um rés do chão com secretaria, duas ou
três salas, um pequeno ginásio, e um primeiro andar quase igual enriquecido com
um inicio de biblioteca e laboratório muito rudimentar. Nem aquecimentos nem
arrefecimentos, carteiras quanto bastassem, quadros pretos sempre prontos a receber o branco dos pedaços de giz, quase só o indispensável. As
aulas eram sempre de manhã e de tarde, não existia cantina e os alunos que não
podiam ir almoçar a casa ou traziam logo de manhã ou almoçavam em casas de
particulares amigos ou de família ali próximas. Se não me engano havia uma
turma por ano de ensino e a quantidade de alunos não era muito grande. Era um
ensino dirigido por um padre muito conhecido, o padre de S. Miguel e um
professor de Sta. Eulália o Prof. Brito. Se me falta alguém as minhas
desculpas, não me lembro de mais. Como alternativa para quem queria estudar, só
o Colégio Salesiano na Vila onde todos entravam com a perspetiva de serem
futuros Padres mesmo que a vocação fosse pequena mas grande a vontade de
aproveitar novas oportunidades. A memória recorda bem os meus queridos e
primeiros profs. o Prof. Fernando Justo figura famosa por acontecimentos
posteriores, a quem estavam entregue as matemáticas e a Prof. Irene Brandão
Rios, pessoa de família que sempre me acompanhou e tão carinhosamente me
acolheu. A ela estavam entregue as letras e recebi dela o primeiro elogio pela
facilidade na escrita. Estudar naqueles tempos era para privilegiados e imagino
agora o que a maior parte dos pais sofreu para pagar a pequena mensalidade que
poderia abrir grandes portas que todos queriam ultrapassar. Era um colégio só
masculino, as raparigas andavam na Vila no Santa Mafalda, sabíamos que existiam
pela bata especial e por algum encontro nos caminhos para casa, onde um simples
e desprendido olhar era sinal de grande interesse. Não existiam transportes
escolares, muito poucos alunos tinham bicicleta, motorizada eram exceções, e as
deslocações eram a pé, umas mais longas, pois os alunos vinham desde Chave,
Cabreiros e Moldes até aos lugares mais próximos. Era provável que um ou outro
pai tivesse meio de transporte e de longe em longe desse uma boleiazita que
sempre ajudava ao descanso. E os profs tinham as mesmas dificuldades.
Automóveis um ou dois. E lá vinham invernos rigorosos, caminhos difíceis, sol a
queimar, mas transformavam se os esforços em brincadeiras e muitos convívios
que nos ensinaram a gostar de ter amigos, a gostar de respirar ar puro, a
gostar de fazer poeira pelos caminhos inventados, e ouvir e ver como a natureza
se transforma todos os dias e generosa se oferece aos nossos olhos, assim
queiramos aproveitar. O ensino era muito diferente do de hoje. O instrumento
mais utilizado para relembrar que eramos estudantes e tínhamos que aproveitar o
tempo, era uma cana que na mão do Padre era meio cega e caía onde menos se
esperava. Se fosse preciso avivar mais as memórias uma palmatória, que muitos
nem sabem o que é mas prefiro mantê-los na ignorância. O local para o recreio
era um pequeno espaço ao lado do prédio, em terra batida que todas as turmas
transformavam para o adequado, tanto era campo de futebol, como ringue de
hóquei ou pavilhão para correrias, e até um imaginário campeonato do mundo se
lá disputou. E todos aproveitavam aquele espaço de tempo, tudo misturado desde
os mais pequenos da primária aos homens do 5º ano, atual 9º.Conheci lá muitos
rapazes que por muitas razões nunca mais esqueci, uns amigos ainda, outros já o
foram, mas aquela estranha cumplicidade com que enfrentamos tempos tão
diferentes nunca mais se perdeu. É isso mesmo, tempos muito diferentes. Tempos
diferentes de uma vida muito diferente para todos e que esta rapidez repleta de
mudanças com que fomos vivendo, quase
nos fez esquecer. Não me recordo em que ano encerrou as portas, e terminadas as
funções até o prédio foi demolido ou reconvertido como é habitual. Ficaram as
memórias, e os amigos, só por isso valeu a pena. Há portas que se abrem em
locais escuros mas conduzem à luz, foi o caso. E muito mais havia a dizer, mas
fico por aqui, deixei a lembrança. Abraço Quim.
(Fotografia da coleção de Adílio Silva a quem agradeço a
disponibilidade)
Carlos S. Sousa