Manoel Fernando Cabral
Teixeira, nasceu no Brasil, viveu a meninice e juventude em Mansores terra dos pais e avós, a partir
daí viveu no Porto e lá terminou os seus dias numa madrugada da semana passada
com muitas chuvas e silêncios.
A escola, a igreja, os caminhos por entre os campos, da Vila
á Estrada, o velho coreto da Vila, os amigos que restam, as paredes da antiga
mercearia, a casa da Mó onde viveste com os teus pais e irmãos, e mais sítios e
mais pessoas de Mansores, lembram se bem de ti. Lá deixaste a criança e
partiste homem feito. Não te vão esquecer.
Tendo uma confirmação do que nos dói, sentimo-nos meio
vazios, o nosso organismo quase deixa de respirar mas vivemos na mesma, e os
passos que damos passam a não orientar bem as nossas direções, parecendo que
passamos a seguir sem destino. Quase sem dar por isso e entregue a este estado,
abriu- se-me na frente a praça da aldeia
com o vazio do costume. Sentei-me no
primeiro banco que veio ao meu encontro, nem reparei que era o mais gasto, o
único em que as únicas cores das madeiras puídas eram as raras risadas de
alguma criança que por lá se sentara tempos antes, e aparentemente sozinho, deixei os olhos
escorregar em toda a volta e senti-me mais uma vez vazio de ideias, só os
pensamentos ao meu lado. E soube naquele momento que os pensamentos, pelo
menos os mais tristes, podem ser ruidosos, e quebram os silêncios que se
escondem ao vê-los chegar. Estava triste, num sitio triste e até o fim de tarde
que se aproximava, a luz era já mais próxima da sombra, era triste. Nunca
entendemos a morte de quem gostamos. A escolha parece-nos desonesta e
imerecida, mas nada adianta, resta-nos o abraço dos que como nós sentem a mesma
ingratidão de quem fez tal escolha. Neste passo, recordamos tudo, mesmo tudo, e
não foram só conversas, não foram só risadas, não foram só lágrimas partilhadas
de alegria ou tristeza, foram pedaços de vida que nunca mais se irão repetir. E
o muito que ficou por dizer não é bem um arrependimento, é mais uma esperança
que a história nunca mais se repita. Sabes que gostávamos de ti. Eras meu primo,
e os primos são assim como uns irmãos afastados. Devia ter-te dito muitas
coisas que se vão adiando mas sei que o entendes porque tinhas um coração
bonito e tranquilo e entendias bem os silêncios, os olhares e as pausas no meio
das gargalhadas que demos nos últimos tempos. Sabes que gostávamos de ti. Alegramo-nos
muito com as tuas recordações da meninice que dividimos. Ficamos felizes por teres
seguido e feito uma vida repleta da tua velha serenidade. Ficamos felizes por
teres uma família linda. Ficamos felizes por muitas coisas porque o merecias. Não
devia ter adiado muitos momentos, mas a esperança em que o inevitável passe de
largo ajuda-nos a respirar todos os dias. Sei que entendeste e ficaste também
feliz. Sabes que gostávamos de ti.
O velho banco passou a ser incómodo, a noite chegou e com
ela trouxe gente anónima que por nada saber trazia sorrisos e aguardava por
amenas cavaqueiras antes de enfrentar novo dia. É isso, a vida não pára, mais
dorida mas não pára. Hoje recebe um abraço mais longo que o normal. A nossa
mesa passa a ter menos um lugar. É tudo.