A Pensar Alto...
Vamos ter finalmente alguns kms. mais de nova estrada que vai
cumprir promessas velhas, e aproximar nos do Porto e do litoral. Aos poucos e
contrariando a velha tradição de não reclamar porque há outros pior, o poder
central lá vai ouvindo os antigos
queixumes e vai daí lá vem mais um bocadinho porque tudo ao mesmo tempo podia
levar nos a empanturrar com tantas viagens e tanta rapidez e ser pior a cura que
a doença. Estou a levar a promessa a sério e comecei já a despedir me da
velhinha estrada e das recordações das muitas voltas que por lá fui dando e que
felizmente sempre me devolveram a casa com satisfação. Fiz estas voltas
milhares de vezes, é natural que sinta saudades. Repetindo agora aquele chavão
que fica bem em qualquer lado... eu sou do tempo, tinha para aí 12,13 anos, em
que ir ao Porto ou vir de lá não era só
uma viagem incómoda, lenta e atribulada, era uma espécie de ritual prazeiroso
com paragens, intervalos e muitas memórias para ir juntando ao nosso álbum de
vida. Antes de sair de casa, a roupa era a domingueira, os sapatos a brilhar,
não se podiam fazer má figuras, e discretos e calados sentiam se aqueles
momentos antes da partida com um espirito
o mais solene possível. Daqui para lá era mais concentração, menos
conversa e algum treino de preparação pois íamos ao encontro ou dos médicos
especialistas, ou dos professores mais conceituados, ou fazer uma compra que
nos fazia rivalizar com o pessoal de Paris ou Nova Iorque ou ver uma coisa
qualquer que se trazia debaixo de olho, ou
levar umas lembranças a amigos, sempre com sabor a terra e cheiros de que
guardávamos os segredos, tudo tão bom. Em
resumo, íamos quase para um mundo novo, daí a preparação atempada. Já nem me
recordo se até metia orações mas se as houve foi para aconchegar melhor aquele
nervoso miudinho pois sempre se iam enfrentar caminhos repletos de perigos, e a
emoção de novas descobertas. Lá chegados, era despachar rápido, porque no regresso anoitecia cedo fosse verão ou
inverno, e ainda tínhamos pela frente as
voltas da Abelheira e os seus perigos que cabiam na imaginação de cada um. Para
cá e como sabíamos de cor o que nos esperava, havia uma paragem ali por Grijó,
para arrefecer a viatura daquele enorme esforço, pois era sempre a subir desde
o rio Douro, metia se gasolina no Silva de Lourosa, na Laurita da
Corga escolhia se a regueifa mais brilhante para nos adoçar a chegada, em S.
Vicente, tanto para trás como para a frente, em Mansores só um abracinho á
família e depois carro desligado até à ponte da Ribeira que a gasolina nunca
foi barata e os carros de então permitiam. Por fim sentia se aos poucos a
chegada, o meu pai por muito que tentasse eramos sempre apanhados pela noite,
umas vezes quase de repente, outras aos bocadinhos, mas dava para chegar quase
sem ligar os faróis. E cá estávamos. A nossa terra de novo, a alma começava a
inquietar se, agora ainda é igual, os nervos fugiam de vez e era usufruir de
tudo que parecia termos abandonado há muito tempo e só horas tinham decorrido,
estávamos na nossa terra. Tudo feito com calma. Os dias eram longos e tempo era
coisa que por vezes até apetecia vender. Gostava destas viagens. Aos poucos
tudo se foi modificando, as distâncias começaram a ser intermináveis, as curvas
até pareciam desabrochar a cada passagem, o relógio voava, os carros eram muito
mais rápidos mas ficava sempre a sensação que o litoral e o Porto andavam a
aproveitar para se distanciarem de nós. E no fundo dessa estrada interminável
estavam os locais de estudo, os empregos, as oportunidades, e foram se
acumulando os amigos. Agora tanto tempo
depois vamos dar mais um passo, nem grande nem pequeno, mais um. Estou feliz
com isso e sei que havemos de conseguir, acabaremos por esquecer a velha
estrada e quando circularmos num instante até ao Porto nem tempo teremos para
aquelas lembranças que nessa altura até se vão querer esconder envergonhadas. Aproveitei
para não as deixar esquecer todas. Esperemos por esses tempos novos. Venha a
estrada e tudo de bom que nos trará, já não é sem tempo.