Lugares do meu lugar. Uma historinha com muitas felicidades
para assustar estes dias de poucas alegrias. O Burgo sempre presente.
Conheci-o era criança. Ele, um rapazinho muito calado,
tímido, envergonhado mas sempre com aquele sorriso que por maus que fossem os
dias encontrava lhes sempre um motivo para ser feliz, e mostrava o nos olhos
grandes que transportavam a luz daqueles campos imensos. E fazia felizes os
outros. Quando somos crianças é muito fácil olharmos em volta nas brincadeiras
e encontrar mos um herói. Para mim era um herói desde que numa tarde apareceu
com uma manta meio velha, meio gasta por variadíssimos usos, nunca os de capa, e
com uma improvisada espada de um pau meio torto quase tão abandonado como ele, fez
com que as crianças do lugar fugissem todas, pelo menos nessa tarde, para
batalhas enormes onde os gritos eram de entusiasmo, os nervos eram de excitação
e os sorrisos ou lágrimas eram por alguma pancada perdida num dedo. Tantas
algazarras e lá ao longe adivinhava-se a donzela prisioneira à espera do beijo
salvador. Foi um herói pela invenção da brincadeira e daí para a frente foi um
amigo de muitos dias até que a vida entra na parte mais real, é triste não
haver só um caminho, e cada um seguiu o seu. Nunca mais o vi, mas as memórias
ninguém mas tira. Nem sei bem o nome dele, para nós ficou o espada, o espada do
Porto Escuro. Vivíamos relativamente perto e sempre que as horas de brincadeira
apareciam mesmo naqueles dias tristes de invernos frios, lá ia a correr
procurar o companheiro, e num ápice, capa nas costas e espada na mão o seguia
para encontros e descobertas tão perigosas que até tenho mêdo em recordar, pois
pelo menos altos castelos, rios abundantes, dragões assustadores havia muito
disso tudo. Passávamos por lugares que são uma mistura da imaginação, do amor á
natureza, da beleza das paisagens e das pessoas, boas pessoas que estão sempre presentes. Vivi
quase sempre ali na parte mais alta de Lourosa de Campos numa casa encurralada
por um caminhito estreito e por enormes árvores que davam sombra em fartura mas
ao mesmo tempo ajudavam à sensação de se estar meio prisioneiro. Não a procurem
que não a encontram, é difícil. Atrás da casa, bem no alto, aqueles enormes
rochedos da Péna que no inicio me pareciam pintados no meio do arvoredo, mas
que depois entendi estavam aprisionados, bem firmes, e agarrados pelos braços
das terras da nossa Freita. Lá, descia os olhos e via o lugar da Forcada a
trocar olhares comigo. Parecia-me um lugar de brincadeira e só poderia ter sido
formado quando algum Criador daqueles cheios de força e que viveram em tempos
afastados mas não existem por estes dias, subiu curioso a esses enormes rochedos e de cima deles atirou as casas e espalhou-as
por ali, por aquela encosta, como quem dá um prémio para toda a vida, ficando à
espera da presença das pessoas, formando o inicio deste belo lugar que até o nome faz
lembrar tempos antigos, Forcada. Ali, mesmo a seus pés e perto de mim o lugar
de Porto Escuro. Tão perto e tão intimo que até lhe aumentou o nome, Porto
Escuro, era sempre o Espada do Porto Escuro. Estranho nome para um lugar
colocado num degrau de uma montanha sem água por perto. Nem rio, nem regatos,
um ou outro rêgo foreiro, mais nada. Para mim os portos são sempre lugares com
o brilho das águas e a limpidez que muitas lágrimas enfeitam com as muitas
chegadas e partidas. Luz nunca lhes falta e até as noites são luminosas com as
alegrias de quem regressa, e as angústias e surpresas das partidas. Mas ali sem
se saber porquê, foi sempre assim, Porto Escuro. Era no entanto um ponto de
importância geo-estratégica como se diz
agora, um entroncamento que em vez de desunir, aproximou e serviu de ponto de
encontro a muitos miúdos como eu. Para mais logo a seguir, até lá surgiu uma
escola, um lugar pequeno com uma escola é caso raro mas aconteceu e enquanto
durou ajudou a combater as ausências e a diminuição de gentes que por lá
viviam. E acabou por sobrar alguma coisa para os dias de hoje, já tão desertos,
ganhou uma das nossas Bandas, um sitio para reunir e ensaiar, a Banda de
Figueiredo. Lá atrás e com ares de sobranceria um lugar pequenino com os
perfumes e sons da Freita, Póvos, terra de piscos, tão perto e longe, disfarçado
de verdes das árvores e de sons enrolados em cantares de águas como pano de fundo, a
esconder aquele silêncio que nos deixa a cabeça zonza e os olhos semi cerrados.
E se a aventura durasse aquele tempo que parecia não acabar, Bustelo, que era
longe, mas as bicicletas velhas serviam de montadas e até nos atiravam ao chão quais montadas
indomáveis. E lá, ficavam muito calmas e
tranquilas encostadas ao coreto. Valia o esforço. Eram estas as terras de
muitas brincadeiras. Nunca nos cansávamos de abraçar aqueles chãos, e respirar
o nosso ar como se fosse possível ser para sempre só nosso. É verdade, por ali
abaixo estendia se o lugar de Figueiredo de um lado e Lourosa de Campos por
outro. Um vale pequenino com ares de quinta de família, com muitas marcas de
sonhos que só a juventude descobre e momentos que nos levam sempre de volta.
Era por aqui e por ali que decorriam as vidas de muitas pessoas que o mundo
afastou mas permitiu pelo menos não se esquecessem. Eram estas as terras que
amávamos sem saber, são estas as terras que o espada me descobriu e mostrou que
há momentos em que por maior que seja a
tristeza, a simples lembrança nos faz de novo acreditar na felicidade. Arouca
tem destas coisas, destas terras que parecem enfeitiçadas e ficam presas a nós
como abraços perdidos em dias de festa.Abraço ao Espada do Porto Escuro, grande
abraço. Nestes dias muito gostava de partir com ele mais uma vez á descoberta…