Há dias recebi um pequeno vídeo através da net repleto de
elogios para a geração de 50-70, mas confesso não lhe dei grande importância.
Dias depois recebi de novo o mesmo vídeo enviado por outra pessoa mas falado em
Espanhol. Aí, apesar do primeiro impulso ter sido dar-lhe o destino de muitos,
resolvi ouvi-lo com atenção para ver como era possível, nós e os Espanhóis ter-mos tido vivências tão semelhantes. E aí estavam os elogios, geração
insubstituível com respeito por tudo e todos às colheradas, a acatar ordens com
entusiasmo, com gostos bem definidos, a apaixonar-se uma vez e casar para
sempre, com belos cuidados de saúde, esta só para rir, andava tudo sozinho, de
dia ou de noite em qualquer local esconso com uma segurança de bébé em
infantário, ia-se para lá e para cá sem correr riscos nem medos, e muitas
qualidades, imensas, tudo embrulhado numa música das de baile de garagem que
obrigatoriamente traz boas recordações. E eu que sou com muito orgulho dessa
geração, pouco me revi nessas lembranças tão idílicas, uma coisa aqui outra
ali. A net tem destas coisas, o ar mais inocente por vezes esconde intenções
menos inocentes. Afinal, tenho muito poucas saudades dessa “linda“ ordem na
escola, nas igrejas, nas ruas, em todo o lado, porque sei como se conseguia
isso, ainda não me esqueci. E não tenho saudades nenhumas. Na verdade a minha
geração teve características que me enchem de orgulho. Soubemos contestar, escolher
caminhos, procurar semelhanças e derrotar desigualdades, sonhamos ideais,
adivinhamos e tivemos um futuro bem diferente dos “prósperos” dias de então. Disso
eu lembro-me bem. De muitas guerras, aqui e por ali e tivemos opiniões e
partilhas sem ter os pais à cabeceira. Perdemos dias e horas a tentar entender situações
que muitos diziam ser hábitos antigos que ninguém iria mudar, mas contrariamos
pais e educadores. Não tivemos medo de cantar o que era proibido, de pensar o
que era proibido, de falar o que era proibido. Sim, porque até sonhar era
proibido. Brincamos como se brincava nesses tempos, dançamos, amamos e vivemos
tempos em que a rutura era alegria e orgulho. Claro que no final e à medida que
a idade foi somando foi fácil entender que a maioria sentiu que há valores que
mereceram o esforço. Deste conjunto de características, desta insatisfação, desta
busca pelo perfeito, pelo que é justo, tenho saudades. Isto de já ser idoso tem
essa vantagem, já sei do que a casa gasta. Sei que o caminho continua com
escolhos e tropeções mas continuo a ter a capacidade de comparar e fazer as
minhas escolhas para um futuro muito mais vosso que meu. É verdade, isso
ganhamos na minha geração, a capacidade de escolher, e por muito mal que o faça
não preciso de ajuda. O futuro não se esconde, nem se adivinha, mas podemos
sempre dar um toquezinho. Por morrer um bando de andorinhas a primavera
continua. Se a minha geração ou as que lhe ficaram mais próximas fossem únicas
e insubstituíveis apesar de muitas coisas boas terem feito, não deparava-mos
com um país com um serviço de saúde, grande conquista, mas ainda repleto de
trambolhões, uma escola que está permanentemente em ambiente de guerrilha, um
serviço judicial que parece anedota, serviços sociais enterrados em papelada,
trabalhos precários e formações completamente inúteis, angústias de reformados
enganados sem atualizações há anos, e em que a corrupção nos aproxima de outros
Continentes, entre outras coisas mais. Apesar de tudo, o importante é continuar
a acreditar que as gerações posteriores farão muito melhor. Um ultimo abraço
para o José Mário Branco cujas musicas tantas vezes cantarolei e inspiraram
muitos dessa geração, esse sim será insubstituível.