Rua antiga. Calçada gasta pelo andarilhar do tempo. Casa gémea da rua. Poucos luxos que há coisas que mesmo só para
os ricos. Quartos estreitos e de porta aberta para
desfrute da uma sala em alcatifa enrugada. Cozinha antiga, exígua. Fogão de lenha em cozedura branda e lenta. Latrina de madeira, amiúde visitada pela Guida
do Zacarias, de regador na mão, para limpar a fossa e de lá sair com a gorjeta que
lhe deixavam na mão. Banhos de bacia, em água trazida em baldes
pelos braços do “Larai”, lá do fundo, do tanque onde lavava a roupa a Alcina. Na casa ao lado, a visavó que cedo foi visitar
um Senhor e não voltou. Mais abaixo a São da Laura que tantas vezes me
recebia e pacientemente atendia.
Lá em cima, no Calvário, pedras grandes,
cruzes altas e o sobreiro que nos dava a sua guarita. O escorrega era ali. Bendita cera daquelas velas
daquela procissão que vinha à noite com muita gente de círio pascal na mão. Rabo esfarrapado. Sermão da Natália em preparação
para o chinelo “quando a mãe chegasse da escola de São João” (da Madeira). Casa dos avós ao lado da capela que, rodeada
por terra, era ideal para a bicicleta. Joelhos esfarrapados. Sermão da Natália em
preparação para o chinelo “quando a mãe chegasse da escola de São João”. Vinha de manhã, a correr com o “Larai”, porque
queria ir às olimpíadas. Saía à noite, embalado pelas histórias da Natália e no
aconchego dos braços da Alcina.
Lá no Espingardeiro, cresci. Sair da casa nova, de manha, e andar na rua ate
o sol se ir. Os primeiros palavrões começaram a sair. Correr nos campos feitos pelo Mota, para não
nos apanhar com a fruta que levávamos dali. Responder aos “Joãoooooo” da Maria
da Bigoda, que o Binqueca estava na vila e nem a ouvia. Descobrir novos caminhos, novos campos e novos
montes. Descobrir novas liberdades e novas responsabilidades. A minha história
vincou-se aqui: cresci, sorri, chorei, sofri.
Sei-me nascido em Arouca, criado em Arouca,
feito em Arouca.