Para fazer face à situação de calamidade, prevenção e incerteza, que estamos a viver, parece cada vez mais inevitável que Sua Excelência o Presidente da República decretará hoje o Estado de Emergência Nacional. É uma situação inédita na vigência da actual Constituição e em Democracia, pelo que importa estar ciente das suas implicações.
Para o efeito, cumpre analisar o que se encontra previsto na Constituição da República Portuguesa (CRP) e no Regime do Estado de Sítio e do Estado de Emergência (RESEM).
Antes de mais, como é sabido, a Constituição consagra e assegura aos cidadãos um vasto leque de direitos, liberdades e garantias, designadamente o direito à liberdade, o direito de deslocação e o direito de reunião. Tais direitos, liberdades e garantias não podem ser suspensos pelos órgãos de soberania, excepto em caso de Estado de Sítio ou Estado de Emergência, declarados nos termos previstos na própria Constituição.
O Estado de Emergência significa, assim, a suspensão dos direitos, liberdades e garantias, podendo ser declarado, para todo ou parte do território nacional, nos casos de agressão efectiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade pública.
O Estado de Emergência é declarado quando se verifiquem situações de menor gravidade do que aquelas que levariam ao decretamento do Estado de Sítio, nomeadamente quando se verifiquem ou ameace verificar-se casos de calamidade pública. Caso em que apenas poderá ser determinada a suspensão parcial do exercício de direitos, liberdades e garantias, prevendo-se, se necessário, o reforço dos poderes das autoridades administrativas civis e o apoio às mesmas por parte das Forças Armadas. A opção pelo Estado de Emergência, bem como a respetiva declaração e execução, deve respeitar o princípio da proporcionalidade e limitar-se, nomeadamente quanto à sua execução e duração e aos meios utilizados, ao estritamente necessário ao pronto restabelecimento da normalidade. Assim, a suspensão dos direitos, liberdades e garantias deverá observar e respeitar o princípio da igualdade e da não discriminação, com as limitações estabelecidas no artigo 2.º/2 do RESEM.
A declaração do Estado de Emergência não afectará nunca, no entanto, os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroactividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião. Na vigência do Estado de Emergência, os cidadãos manterão, igualmente e na sua plenitude, o direito de acesso aos tribunais, de acordo com a lei geral, para defesa dos seus direitos, liberdades e garantias lesados ou ameaçados de lesão por quaisquer providências inconstitucionais ou ilegais.
Dentre as limitações a impor aos cidadãos, salienta-se a possibilidade de restrição da liberdade e da livre circulação de pessoas e veículos, podendo impor-se desde o isolamento ao condicionamento ou interdição de trânsito, cabendo às autoridades assegurar os meios necessários ao cumprimento do disposto na declaração, particularmente no que diz respeito ao transporte, alojamento e manutenção dos cidadãos afectados. A violação do disposto na declaração do Estado de Emergência ou na lei, nomeadamente quanto à execução daquela, faz incorrer os respetivos autores em crime de desobediência, podendo ser punidos com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
Por fim, como já se sabe, a declaração do Estado de Emergência compete ao Presidente da República e depende da audição do Governo e da autorização da Assembleia da República.
A declaração reveste a forma de decreto do Presidente da República e a sua execução compete ao Governo, que dos respectivos actos manterá informados o Presidente da República e a Assembleia da República. A declaração confere às autoridades competência para tomarem as providências necessárias e adequadas ao pronto restabelecimento da normalidade.
A declaração do Estado de Emergência terá de ser adequadamente fundamentada e conterá a especificação dos direitos, liberdades e garantias cujo exercício ficará suspenso, não podendo o estado declarado ter duração superior a quinze (15) dias, sem prejuízo de eventuais e necessárias renovações.