«Contemporâneo e
correligionário de Bernardino António Teixeira Vaz Pinto, era também D. Leonardo de Sousa Brandão
(1767-1838),
filho do capitão Manuel de Almeida dos Santos Brandão e de D. Angélica Joaquina Margarida de Sousa, da
casa da Vinha do Souto de Baixo, da paróquia de São Salvador de Várzea. Foi
padre-mestre na Congregação do Oratório, em Braga, e
último bispo da extinta Diocese de Pinhel.
Antes, havia residido em Lisboa, na Casa do Espírito Santo, de onde foi
chamado para confessor de D. Carlota Joaquina e da infanta D. Maria da
Assunção, onde terá privado com os demais jovens filhos da rainha,
nomeadamente, com D. Pedro e D. Miguel.
Em 1831, eram dezasseis os
bispados vagos em Portugal. D. Miguel, apercebendo-se das vantagens políticas
internas e externas de um reconhecimento do seu governo pelo papado, invoca
junto de Roma os prejuízos pastorais que daquela situação advinham para a
Igreja em Portugal, de forma a conseguir o preenchimento dos lugares vagos no
episcopado com nomes por si apresentados e da sua confiança.
D. Pedro, percebendo a
intenção de seu irmão e procurando obstar-lhe, logo avisa o Papa, a 12 de Outubro
desse mesmo ano, de que não reconheceria como válidas as nomeações feitas pelo Usurpador da Coroa de sua filha, e mais consideraria
traidores e rebeldes os que aceitassem tais nomeações, prevenindo-os de que
seriam por essa razão expulsos do Reino e exceptuados expressamente da amnistia
que tinha em mente conceder quando reposta a legitimidade. Com efeito, referiu
ser esta legitimidade que o movia, e não quaisquer intuitos de excitar um cisma
ou interromper a boa harmonia com a Santa Sé.
Apesar dos múltiplos
esforços do representante de D. Pedro em Roma, o Papa acaba por ir nomeando bispos
os candidatos que lhe são apresentados por D. Miguel, mesmo quando as previsões
da vitória liberal são já de todo claras. O cisma que D. Pedro não desejava,
mas com que ameaçara, tornava-se assim inevitável.
A 8 de Junho de 1832, num ofício em que
dá conta do aparecimento da «cólera mórbus»,
o vigário pró-capitular da Diocese de Pinhel, vacante de bispo desde 19 de Julho
de 1828, recomenda as preces «que o nosso
Ex.mo Prelado Ex.mo Senhor D. Leonardo Brandão compôs
para implorarmos a divina protecção de Maria Santíssima em nosso favor», e
termina com um voto para que Deus restitua a paz ao reino atribulado e defenda
a «preciosa vida» do rei D. Miguel e
sustente a Santa Religião.
Leonardo de Sousa Brandão,
que, em 1824, não havia aceitado a mitra de bispo do Ultramar, em 7 de Janeiro
de 1832, não tem como recusar a nomeação para bispo de Pinhel, em que foi confirmado
a 17 de Dezembro do mesmo ano e sagrado a 10 de Fevereiro do ano seguinte. No
entanto, correspondendo aos demais pedidos de D. Miguel, que, no beija-mão de 2
de Novembro de 1832 em Braga reuniu mais de cem mil pessoas, andou pelo Minho,
aonde ministrou o Santo Crisma nas comarcas de Viana do Castelo, Ponte de Lima
e outros lugares; e, só depois de pregar em Braga, na Igreja dos Congregados,
pelo 1.º de Dezembro de 1833, fez a entrada solene na Catedral de Pinhel.
Logo que D. Pedro se
instala em Lisboa, cria a Comissão de
Reforma Geral Eclesiástica. Desta Comissão são emanados pareceres que
fundamentam os decretos pelos quais se declaram rebeldes e traidores os
eclesiásticos que abandonaram os seus postos aquando da aclamação de D. Maria
II; se extinguem todos os padroados eclesiásticos; e se proíbem os noviciados
religiosos, num prenúncio claro das medidas que virão a ser tomadas para com as
ordens religiosas, e de que fora já aliás sintoma a expulsão a 24 de Maio de
1834 dos jesuítas de Coimbra, que haviam reingressado em Portugal em 1829,
autorizados por D. Miguel. Num outro decreto emanado por parecer da mesma
Comissão, datado de 5 de Agosto de 1833, se declaram solenemente vagos todos os
arcebispados e bispados que foram confirmados no Consistório de Roma em virtude
da nomeação e apresentação do governo usurpador;
e bem assim todas as dignidades, priorados-mores, canonicatos, paróquias,
benefícios, e quaisquer outros empregos eclesiásticos, nomeados e apresentados
pelo mesmo governo intruso, e
confirmados em consequência desse título vicioso.
Cinco meses depois da
entrada solene em Pinhel, D. Leonardo vê-se obrigado a retirar-se para fugir às
perseguições dos partidários de D. Pedro, refugiando-se na sua terra natal e vagueando
pelos concelhos das imediações de Arouca, sempre perseguido. Levantou altar nas
casas onde lhe deram asilo, e ali celebrou e mandou celebrar o Santo sacrifício
da missa, fazendo também algumas ordenações de presbíteros e outras Ordens, sempre
auxiliado pelos “clérigos” do Sobral, seus sobrinhos, Manuel, Vitorino e Luís. Celebrou
inclusive casamentos, como foi o caso de António Cerveira Ferraz Bravo com a
viúva do major António Carlos de Vasconcelos, D. Joana Carmelinda Ferraz Bravo,
da casa da Quinta de Cela, em 5 de Outubro de 1837.
«Dom Leonardo Brandão, por graça de Deos e da Santa Sé
Apostólica, Bispo de Pinhel do Conselho de Sua Majestade: Alertamos que
achando-nos na freguesia de Várzea d’Arouca Bispado de Lamego, uzando dos
poderes de que estamos auctorizados pelo Vigário Capitular legitimo e ortodoxo
desta mesma Diocese, o Muito Reverendo António Teixeira, assistimos ao
matrimónio d’António Cerveira Ferraz Bravo, com Dona Joana Carmelina Ferraz
Bravo, com dispensa legitima do segundo grao de consanguinidade alcançada por
via de Frei Bernardino da Virgem Santissima Religião do Seminário do Varatojo,
pela grave causa, digo pela causa de grave perigo d’incontinencia e pelas
clamitosas circunstancias, com que se acha o nosso Reino e falta de Parocho
Ortodoxo, o fizemos ocultamente em nosso Oratório particular perante as duas
testemunhas abaixo afsignadas, hoje cinco d’Outubro de mil oitocentos e trinta
e sete. E para constar a todo o tempo da legitimidade deste matrimónio,
Mandamos passar o prezente documento. Eu Vicente de Sousa Brandão o escrevi.
Era ut supra. D. Leonardo de Sousa Brandão, Bispo de Pinhel = Dâmaso de Sousa
Brandão = Victorino José de Almeida Brandão».
Dom Leonardo terá começado por se refugiar na também sua
casa de Campo de Fora, na freguesia de Rossas, entretanto passada a seu irmão
Dâmaso, mas, esta antiga comenda de Malta também fora extinta e já não garantia
mais protecção aos que andassem foragidos às justiças do Reino, como até então
se dizia. Acresce que a contestação derivada da nomeação de um novo pároco para
Rossas também fazia desta uma freguesia muito exposta. Terá andado depois
escondido pelos lugares de Arrifana, da freguesia de Tropeço, e do Muradal, Tulha
e Sobral, da freguesia de Várzea, aonde acabou por cair doente a um canto da
loja da casa de seu irmão Dâmaso, estado em que nem sequer lhe puderam prestar
socorros médicos, com receio de se descobrir o seu esconderijo.
Faleceu a 19 e foi
sepultado a 20 de Abril de 1838, de
noite, às escuras e às escondidas, na igreja paroquial de Várzea, para onde o
seu cadáver foi conduzido numa padiola, de forma a
evitar perseguições e vexames aos que lhe tinham dado asilo.
Era então
presbítero secular e pároco encomendado o padre Manuel José Ferreira Brandão, da casa
da Barroca dessa mesma freguesia – não aquele a que assistiu Bernardino António
em Rossas, mas outro parente homónimo, e de homónimo pai, que ali serviu por
trinta anos, de 1832 até 1863, e que,
para maior peso da terra que sobre o seu cadáver se depositou, o extinto bispo
não reconhecia como ortodoxo.»
"O ÚLTIMO CAPITÃO de Ordenanças e Milícias de Arouca e a transição do Antigo Regime para o Liberalismo", Arouca, 2019, pp.51-53
"O ÚLTIMO CAPITÃO de Ordenanças e Milícias de Arouca e a transição do Antigo Regime para o Liberalismo", Arouca, 2019, pp.51-53