A Pensar alto.
Uma bela passeata..
Há dias em que nos apetece dar uma volta. Sem grandes
preparativos, sem merendas, sem despedidas, só levando a vontade de descobrir
coisas novas e quem sabe descansar mos os olhos de tantas coisas belas que encontramos
por aqui, pelas nossas vidas no dia a dia. Vou portanto sugerir um passeio, sem
andar muito, sem cansaços como quem vai dar um recado e volta rápido. O começo,
sair daqui, da nossa Vila e ir até Ílhavo. Para lá chegar- mos,claro que temos
que enfrentar a nossa interioridade medida em curvas e curvinhas mas com um
pouco de conversa estamos em Aveiro e valeu o sacrifício. A cidade está cada
vez mais bonita, a azáfama dos barcos e das gentes ria acima ria abaixo faz
lembrar tempos antigos de quando as salinas eram o sustento, as ruas estão
repletas de muitas línguas, de muitas idades, de muitos sacos a tiracolo e
olhares espantados. E depois está ali tudo muito juntinho, é só escolher e
aproveitar. Mas o tempo é pouco e lá vamos em direção ao mar. Passamos a ponte
da barra e aí temos que enfrentar o farol, aquele conhecido que nos dias muito
claros se diz avistamos no cume da Freita. Amigo nosso e amigo permanente dos
que habitam aqueles mares. Depois, um olho na ria, outro no mar, encontramos à
nossa espera na Costa Nova aquelas casinhas que foram construídas de certeza
por algum carpinteiro feliz, com as suas riscas coloridas e aquele ar de
presépio fora do tempo. Aí fazem nos companhia a olhar para a ria, a ver os
barcos, a espreitar por trás de alguns farrapos de névoa que ardilosamente, com muito egoísmo à mistura,
tentam esconder tamanho encanto. E lá estamos em Ílhavo. Deparamos com uma obra
recente, de arquitetura simples mas moderna, e adequada ao fim da sua construção,
um museu marítimo. Lá dentro é deixar andar o tempo e os sonhos. É subir ao
bacalhoeiro, navio de muitas águas, e imaginar tempos muito difíceis, de homens de muitas lágrimas de
muitos mêdos e de muitas distâncias. Por instantes é lutar com as ondas
enormes, ter um arrepio de muita admiração, vê-los acordar ensopados em
saudades e comparar com este nosso mundo português tão mais fácil hoje.
Percorrer o museu é homenagear em silêncio um trabalho de muitos méritos, com
fomes misturadas e pareceu me até ainda ouvir ao longe um grito de raiva para
com o mundo e a dureza da vida para alguns.E barcos,muitos barcos muito mar. Já na estrada para a Vagueira, um
olhar amigo à ria, e o almoço lá estava. Restaurante simples, com gentes
simples, com Caravelas pintadas nas paredes, de muitos peixes tingidos com
sabor a Douro, gargalhadas a confundir se com o barulho do mar que se pressentia
ao fundo, e parecia zangado, mas no fim era vontade de nos chamar para aqueles
momentos de reencontro pois desde Setembro não o víamos.Todos sabemos que o mar é muito
culpado da palavra saudades e do que significam. Respiramos com muita força aqueles ares de
ventania com muitas espumas a parecerem lágrimas, mas de contentamento, e
despedimo- nos. Até breve. Novo rumo em direção a Avanca, já na direção da
nossa terra. Ali, perto da fábrica da Nestlé que provavelmente viu nascer, uma
casa museu, a casa museu de Egaz Moniz. Transposto o enorme portão foi
regressar ao século passado e desfrutar. Homem famoso pelo prémio Nobel
recebido, foi ministro, médico e investigador no tempo do Estado Novo, legou
nos além das descobertas e estudos médicos, um espólio de objetos, mobílias,
pinturas, louças, muitas obras de arte, e não é difícil adivinhar o enorme bom
gosto que possuía e a qualidade de vida muito acima da maioria dos Portugueses de
então. Uma casa magnífica, uma visita muito enriquecedora a partilha da
intimidade de quem faz parte da nossa história. Por fim mais dois passos e
Válega ali ao lado mostrou nos a igreja matriz. Região onde a azulejaria foi
rainha, a igreja tem nas diferenças tão repletas de simplicidades, a sua
beleza. Os mosaicos da fachada tinham ainda um brilho de muitos olhares de autêntico
arregalar e a noite que se aproximava muito rápida não nos quis roubar um
derradeiro abanar de cabeça, aquele que confirma a satisfação que é tanta, que
as palavras poupam se para as rotinas. Dentro do templo a mesma beleza, difícil
fazer uma oração a ser contemplado por motivos a explodir de simbolismos e
cores. Um recato diferente,um silêncio repleto de bravos. De repente as luzes acenderam se no seu interior,
e aí ficamos felizes, mais felizes, pelo dia que tínhamos passado e pela
proximidade do passeio, no nosso Distrito tanto para admirar.Ao regressar, um ultimo olhar iluminado pelos reflexos de um sol, ansioso por perder esta timidez de Inverno e que abraçou no fim do dia os mosaicos da velha igreja com esse brilho tão anormal. O privilégio de ter tais vizinhos é
mais um com que nos podemos orgulhar. Já escuro, o regresso fez se a recordar
mais uma vez o nosso dia, e um ultimo esforço para nada esquecer e poder sugerir a todos estes belos
momentos.
Este passeio descrito pelos meus olhos foi um resumo muito
sintético, pincelado com muitas emoções de uma aula de património da Academia Sénior. Os meus colegas de
saída mereceram quase todos receberem estas memórias. O nosso Professor está mais uma vez de parabéns.Tudo dito.
Carlos S. Sousa