27 de setembro de 2020

Voltámos à Escola!

    Mais um ano letivo começou. Mais um ano, que poderia ser igual a tantos outros. Poderia, mas não é. Este é em tudo, ou quase tudo, diferente. Faltam os abraços, os beijos, os apertos de mão, que costumam marcar os reencontros. Falta a proximidade, os sorrisos bem definidos no rosto, que agora quase só se adivinham, faltam as brincadeiras à vontade, os “encontrões” cúmplices dos rapazes e as mãos dadas das meninas pequenas que passeiam pelo recreio, os cochichos ao pé do ouvido, o barulho dos corredores e dos recreios cheios… falta tanta, tanta coisa.

    Sobram as máscaras que escondem o sorriso dos rostos, que escondem também o desagrado que não costumava precisar de palavras para se expressar. Sobra o constante lava, desinfeta, desinfeta e lava, preocupação de que não conseguimos, nem devemos, libertar-nos, por agora. Sobra o espaço que permeia as conversas entre amigos, que sem se poderem aproximar, se fazem silêncio. E o silêncio incomoda. O silêncio acentua os medos, os receios até de respirar, não vá o “maldito vírus” estar por perto e fazer-se hóspede indesejado.

    As nossas crianças e jovens já precisavam deste regresso à escola. Mesmo sendo um regresso tão atípico. Foram muitos os meses de isolamento, de conversas exclusivamente on-line. Só quando somos obrigados ao afastamento conseguimos perceber como a proximidade nos faz tanta falta.

    Tenho jovens em casa e pude testemunhar a sua frustração com a interrupção das aulas presenciais, que significou ausência de uma vida normal, com todas as rotinas quotidianas, que nos fazem sentir vivos. Pude também verificar como os meses de afastamento acentuaram a sensação de receio de estar com os outros, fazendo de seres iminentemente sociais seres com alguma tendência à retração. E isso não deixa também de ser preocupante. Que as nossas crianças e jovens se tornem seres isolados, retraídos, com tendência a fechar-se aos outros e a concentrar-se no seu pequeno mundo. Foi com alegria e muita esperança que os vi sair e retomar, na medida do possível, a sua vida normal em sociedade. Mesmo com todas as restrições que a pandemia impõe.

    A infância e a juventude são estágios preciosos de crescimento e amadurecimento. São um tempo de construção da personalidade. Um tempo irrepetível, que não pode ser retomado e, por isso mesmo, sem contemplações com paragens impostas seja pelo motivo que for. É claro que a saúde física, quer das crianças e jovens, quer das suas famílias e da comunidade em geral, tem de ser protegida. Mas, como mãe e como professora que sou, duplamente atenta a estas questões, não posso deixar de me questionar sobre as suas necessidades sob o ponto de vista da saúde psicológica, mental e espiritual.

    Como professora, estava também eu, com uma necessidade urgente de retomar a minha vida profissional e de relação com alguma normalidade. Os benefícios que os tempos atuais, com todos recursos tecnológicos que se nos oferecem, e dos quais não posso deixar de ser adepta, sob pena de permanecer encarcerada no passado, são indubitavelmente vantajosos. Outras gerações não puderam encarar dificuldades idênticas às que hoje vivemos com a mesma vantagem que hoje possuímos e que nos faz estar, de algum modo, próximos, mesmo à distância. Devemos sentir-nos gratos, sem dúvida. Mas…o que há que se compare com o contacto em presença, seja nas relações de amizade e companheirismo, seja no processo de ensino-aprendizagem? Disso todos nós sentíamos uma saudade que, mesmo com todos os entraves atuais, lá vamos minorando, neste voltar à escola.

    Mas não deixa de ser estranho, tenho de admitir. As nossas salas de aula, nada adaptadas às necessidades de afastamento social impostas pela DGS, que consideramos necessárias e apropriadas mas nos vemos na contingência de não conseguir cumprir na totalidade, oferecem-nos um triste panorama de amálgama de seres mascarados, separados por acrílicos, quando não há possibilidade de separação física, olhitos espreitando os colegas, mãos que se tocam sem se tocarem… Faz-me lembrar pobres funcionários de um call center, “enjaulados” entre vitrines.

    Depois… lá vêm os recreios, as horas do lanche, as crianças que correm para se abraçarem, se tocarem… Aí, sobram os ralhos, os “não podes”, os “larguem-se, olhem o covid”, as carinhas frustradas deles e a nossa sensação de estar a contribuir para uma infância sem o que é primordial.

    “O contacto físico é uma categoria absolutamente essencial na vida humana”, li eu um destes dias, numa afirmação do professor e investigador Carlos Neto. Dizia ele ainda “Brincar é uma excelente forma de conquistar imunidade”. Concordo absolutamente com ele. E espero que tenha mesmo razão. Mesmo assim, não consigo abstrair-me de incessantes dúvidas contraditórias. Estaremos a proteger demasiado as nossas crianças e jovens? Por outro lado, estaremos a protegê-los o suficiente? O vírus está aí. E não dá sinais de querer afastar-se tão cedo. A tão desejada normalidade não parece ser para já. Mais parece uma miragem que quanto mais se caminha mais se afasta.

    São mais as dúvidas do que as certezas. Estamos todos a tentar fazer o nosso melhor. Esperemos que o nosso melhor seja o suficiente. Seja o acertado. Só o futuro nos dará o aval. Não nos resta mais do que caminhar e esperar que o caminho que fazemos nos leve mais ou menos onde desejamos chegar. Não podemos é deter-nos no caminho. Ele faz-se caminhando e o futuro é já ali.

    E, seja como for, é muito bom estar de volta à escola. Só esperamos que nos deixem (o vírus nos deixe) por aqui permanecer, todos juntos, ainda que não totalmente próximos.