Comentário ao conto infantojuvenil de Maria de Lurdes Duarte, aquando no seu lançamento a 7 de dezembro, na Biblioteca Municipal de Arouca.
Antes de mais quero agradecer à Prof Maria de Lurdes o
convite para falar um pouco dela e do conto infantojuvenil que escreveu,
convite esse que aceitei imediatamente e que muito me honra.
Conheço a Maria de Lurdes há relativamente pouco tempo - 10
anos - numa circunstância especial: eu, enquanto mãe, ela, enquanto professora
primária que veio a acompanhar a minha filha do 1.º ao 4.º anos.
Costumo dizer que as amizades alimentam-se de empatia, respeito
e partilha de interesses e que os amigos verdadeiros têm de se conquistar
mutuamente. Apesar de algumas divergências de opiniões, aos poucos, nasceu e
cresceu a amizade que nos une e que muito me orgulha.
A Prof. Lurdes é dedicada, exigente, disciplinada, atenta,
humana, compreensiva, acessível, boa ouvinte e desafiadora.
Pedagoga na verdadeira aceção da palavra, procura na
diversidade dos alunos, orientá-los, ressaltando o que de melhor têm, para que
consigam ultrapassar as dificuldades, num jogo perfeito de equilibrismo.
Estou a evidenciar a personalidade da Maria de Lurdes porque
estou certa que melhor interpretamos as obras quando melhor conhecemos os seus autores.
De facto, neste conto “a magia da cidade do arco-íris”,
encontramos um autor conhecedor, um narrador hábil, que domina a linguagem do
quotidiano dos jovens, sem a tornar redutora, que doseia a informação,
cativando o leitor ao longo da narrativa, intercalando momentos de descrição
com momentos de ação. Dá voz às personagens e interpela o leitor chamando-o a participar
ativamente na trama. Utiliza recursos estilísticos variados como a metáfora, o
humor, a ironia e a crítica que de forma subtil nos leva a “condenar” alguns vícios
da sociedade e a “enaltecer” as boas atitudes por serem mais humanas e
altruístas.
Se do ponto de vista da estrutura esta narrativa cumpre
totalmente os requisitos literários de construção da narrativa (a nível de
personagens, espaço, tempo e ação), também a nível da trama ela respeita a
morfologia tradicional do conto, onde uma situação problemática coloca em causa
a normalidade e os personagens são postos à prova para ultrapassar o problema e
repor a normalidade.
Fazendo a analogia com a “Alegoria da Caverna” de Platão,
Maria de Lurdes dá-nos a conhecer dois mundos, de natureza antagónica: um
localizado no nível inferior, a Terra, mais especificamente a Vila Velha,
perdida nos confins do mundo, sugerindo distanciamento, onde habitam dois irmãos,
o Samuel e a Magda, e o outro, situado no nível superior, o Mundo Mágico, mais
especificamente a cidade do arco-íris, onde figuram como personagens centrais
os irmãos Zé e Carol.
O primeiro mundo, terreno, é descrito como cinzento, onde as
pessoas são infelizes, onde existe poluição, onde o Sol é prejudicial e
abrasador, onde não há água, onde existe excesso de tecnologia, contraposta com
falta de humanidade e de educação, onde as brincadeiras ao ar livre são
impossíveis, onde os mais velhos são desconsiderados e onde faltam cor e
felicidade.
Em oposição, o Mundo Mágico é o mundo da cor, da felicidade,
do respeito, da harmonia, da valorização dos mais velhos e da ausência de
doenças e de hospitais.
Como acontece em Platão, na “Alegoria da Caverna”, estes dois
mundos são postos a comunicar entre si. Maria de Lurdes, de forma criativa,
utiliza o fenómeno do arco-íris para fazer a ponte entre dois mundos e faz
depender dele a própria sobrevivência de ambas as dimensões, interdependentes.
O elemento que desencadeia a intersecção entre os dois mundos
é o desvanecimento das cores do arco-íris, que coloca em risco todo o ambiente
e o Planeta, provocado pelos comportamentos dos homens da Terra.
A normalidade é, assim, ameaçada e são as crianças do Mundo
Mágico que tomam para si a responsabilidade de corrigir a situação e salvar os
dois mundos, sob olhar atento e confiante dos sábios. As crianças são postas à
prova, conquistam aliados, ultrapassam os obstáculos e são recompensadas, em
benefício próprio mas também de toda a Humanidade e do Mundo Mágico.
De forma resumida, a mensagem que a autora quer transmitir
com este conto é que a sociedade deve repensar e modificar atitudes, modelos,
comportamentos, adotando modos de vida mais amigos do ambiente, mais
sustentáveis, humanos e solidários, renovando a valorização dos valores, do
respeito, da gentileza, da educação e da palavra.
Maria de Lurdes Duarte chama a atenção para o papel das
crianças e dos jovens no desenho do futuro, sem que os adultos e idosos se
desresponsabilizem, porque todos temos um papel a desempenhar, todos somos
úteis e necessários e que se assim acontecer, todos os problemas têm solução e
que nos cabe a nós decidir como será o final desta estória, que a autora deixa
em aberto.
Para terminar, resta dizer que este livro tem uma bonita
mensagem, positiva e de esperança, reivindicativa também, que se destina a
leitores de todas as idades e que revela a preocupação da autora enquanto
cidadã, pedagoga e mãe.
E não há melhor forma de mover pensamentos e corações do que
através da literatura, porque, citando a autora, “os livros são asas que nos
transportam até ao infinito”.