Lembrança de uma época passada
e de percursos de vida comuns a muitos dos nossos conterrâneos.
O Zé das Quintas é o meu pai.
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Deilão, 2 de fevereiro de 1967,
Sou o Zé das quintas. Tenho apenas 16 anos. Nascido e criado
em Deilão. Pequena aldeia de pouco mais vinte almas perdida algures entre Covas
do Rio e Janarde.
Minha vida é uma rotina diária. Desde do amanhecer, trabalho
no campo e trato do gado. Raras diversões a não ser apanhar bogas no rio e
disfrutar das poucas romarias em redor.
Não vivemos bem ou mal. É assim. Vivemos apenas. Sem
realmente sofrer de nossa condição porque não conhecemos outras.
Chega-nos, no entanto, um ruído, cada mais forte, notícias
de um ultramar que deveríamos defender. Defender algo do outro lado da terra
enquanto o meu mundo vivido limita-se a um raio de 20 km ao redor de Deilão? Eu
que apenas vou a «Bila» 2 ou 3 vezes por ano.
Meu pai não quer que eu participe numa guerra que não
considera a dele. Já enviou meu irmão para o Brasil há alguns anos por esse
motivo. Chegou a minha vez. Vou partir. Já contatou e pagou o passador. Vou
para a França. Saio hoje. Pela noite dentro para o mundo obscuro.
Sinto-me dividido entre o entusiasmo de descobrir novos
universos e a ansiedade de me confrontar a eles. Tenho medo. Sei que a viagem,
«O Salto», será difícil. Será longa. Estou ansioso também de não saber quando
voltarei. Triste de deixar os meus pais e amigos. Serà a última vez que vejo a
minha avó por quem eu tenho um carinho especial?
Mas não me pergunto se é a escolha certa porque não tenho
alternativa. Trata-se de sobrevivência. Saio daqui ou potencialmente morro!
Como tantos otros que não voltarão do Ultramar.
Sou o Zé das quintas, com apenas 16 anos, e hoje vou a
caminho do mundo desconhecido!
Darei-lhes conta, uma proxima vez, da minha viagem. Do meu
salto. Da minha chegada em França.
Até Breve.
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"Porque quem
deixa o seu torrão natal,
E fora dos seus
caminhos põe os pés,
Quando troca o certo
pelo incerto.
Motivos há-de
ter."
Adriano Correia de
Oliveira – Emigração