- “Srª empregada o que é o comer na cantina?”
- “Hoje é peixe…queres tirar a senha?”
- “Não…não gosto de peixe…”
Ouço repetidamente esta conversa entre miúdos na
escola e eu que, por acaso, prefiro peixe a carne interrogo-me, num misto de
curiosidade e estupefação, o que comerão
estes miúdos nas suas próprias casas…
E porque do existente se pode sempre fazer sobressair
o bom e o mau, este pequeno diálogo transporta-me aos tempos idos da minha infância
escolar vivida na bonita e envidraçada escola do Cerco do Porto.
Na década de 60 frequentava eu a referida escola e
notava que a meio da manhã chegava um camião com panelas gigantes que envolvia
um cheirinho apetecível de uma sopa que eu pensava ser universal.
Com efeito, uma simples sopa que, por vezes, é rejeitada
e pouco apetecida por nós, tornava-se naquela época um pequeno obstáculo entre
os meus sentires de criança e a escola do qual eu sempre gostei de forma
desmesurada.
Num dos primeiros dias que me apercebi da distribuição
da sopa, coloquei-me ingenuamente na fila quando, à entrada da cantina, a
funcionária com tom austero me disse: “A sopa não é para ti…”
Nesse dia regressei da escola a chorar… lembro bem a tristeza que senti por não me deixarem participar de um “meio almoço” que também eu
desejava partilhar com os meninos da Escola do Cerco.
A minha mãe, sempre atenta ao modo como eu encarava a
escola e àquilo que eu aprendia., lá ía consolando as minhas lágrimas de menina
mais emotiva e menos racional e… …num determinado dia foi falar mesmo com a professora
D. Isolina (chegada ao Porto vinda de Cinfães para acompanhar o marido, médico
num dos hospitais da cidade) para que esta possibilitasse a minha inserção no
grupo dos meninos contemplados pela sopa, ainda que tivesse que “pagar alguma
coisa”. Soube nesse mesmo dia que a sopa tinha um nome - “Sopa dos Pobres” - e que era apenas destinada
aos meninos pobres que não tinham de comer em casa. No fim da sopa, era distribuído
um molete que eu alegremente trazia para casa com uma satisfação que ainda hoje
me faz pensar demora e sorridentemente.
Volvidos cerca de cinco décadas eu olho a escola com
outras preocupações mas com a mesma emoção. Já não há a “Sopa dos Pobres” mas
não são raros os casos em que a escola se coloca na retaguarda de fornecer refeições (para casa) a alguns alunos muito carenciados. Já não há a
discriminatória e infeliz divisão nas salas em três filas de alunos: os bons,
os médios e os burros…mas há meninos a quem a escola não lhes diz absolutamente
nada e que é difícil aceitarem que esta é um trampolim para a vida que está lá
fora. Já não há brincadeiras e correrias saudáveis mas sim olhares pregados num
telemóvel que os transporta a um mundo que eu, sinceramente, desconheço, mas
que, de forma alguma, invejo… Hoje, tenho de, por vezes, desdobrar-me entre os conteúdos de um programa com os quais nem sempre concordo e o
apoio ao aluno que sofre de ansiedade, à aluna que foi deixada pelo namorado e
chora copiosamente ou mesmo àqueles alunos que ninguém quer integrar em trabalhos de
grupo…
Hoje os desafios são múltiplos e complexos. Mas é
muito bom recebê-los cada manhã… sentir a sua mundividência… o seu lado divertido e descomprometido com a vida!
Sou orgulhosamente Professora…
Professora de Filosofia…
Professora de Filosofia de um Agrupamento de Escolas onde se constroem futuros (que eu acredito serem) de Esperança!!