Naquela manhã Adriano integrava pela primeira vez um grupo
de caminheiros em busca do cansaço físico que as semanas sedentárias fazem pensar
que não existe. Viu, já nem se lembra onde, o anúncio desta saída e como há
muito tempo já não calcava estas terras, serviu lhe isso de pretexto e desculpa,
e cá ia ele. A inscrição não tinha tido dificuldades e manhã bem cedo despediu
se dos miúdos e da mulher, atarefada com imensas coisas, meteu-se no carro e
com ar de filho pródigo, rapidamente passou aquela distância que tem alturas
demora tanto, e deu de caras com o local de partida que tão bem conhecia e que ao
aproximar se, fez muitas recordações aproximarem-se também. Ali para os lados
de Moldes, uma bela freguesia do nosso Concelho, Arouca, que desta maneira ele
podia visitar e revisitar como era o caso. Já não vinha por estas bandas desde
o casamento daquele primo com quem brincara em criança e que tanto insistira tê-lo
presente. Teve que vir pois a vida não andava nada fácil e pensou que o alento
dos ares de infância desse uma ajuda. E deu. Agora, tempos depois, cá estava de
novo. Fazer o PR, nome de um percurso a pé, por caminhos antigos e dificuldades
quase esquecidas. Já ouvira falar muito dos Passadiços do Paiva mas pela
distância ficou se desta vez por este percurso, menos falado mas quem sabe a
merecer os mesmos elogios. Numa tentativa de não deixar morrer e valorizar a
região tentando que as recordações, o sacrifício pelo esforço, a busca
incessante de novas sensações e a teimosia de muitos habitantes colaborassem em
conjunto, a Câmara fazia a divulgação de um passeio-aventura, através de um
percurso, agora chamam-lhe assim, sinalizado de longe em longe com pequenas
placas e risquinhas as cores, com vários guias que não deixavam ninguém perder-se
pelo caminho e até com oferta de garrafas de água e um mata bicho à moda
antiga. E lá ia ele pelo PR número tal e coisa, não se lembrava bem do número, misturado
com novos turistas curiosos, caminheiros quase profissionais, amantes da
natureza esforçados em recuperar velhos lugares, saudosos das gentes e dos
lugares que não regressam, e alguns como ele num roteiro de lembranças, a
calcar caminhos muito antigos que muitas histórias teriam para contar. Já tinham
sido as artérias de uma economia agrícola que se espalhava por todo o Concelho
e assentava em pequenos transportes de pessoas e mercadorias em carros de bois,
fosse o mato que vinha do monte, o bagaço que iria no alambique transformar se
em aguardente, doce e forte, e até o estrume que o gado levava do seu próprio
curral para fertilizar as pequenas leirotas todas muito aproveitadinhas. E os
turistas sem saberem de nada disto, preocupados em aproveitar o ar puro, dar
uma espreitadela pelas paisagens, lindas de perder o fôlego, ouvir a música ondulante
de mais que um rio, ou se possível rever algum costume já abandonado. E sempre
a caminhar, como se fossem a fugir de algum lobo que estivesse à espreita
destes tão variados capuchinhos. Por estas razões ou outras o grupo era
numeroso, as conversas tinham um espaço pequeno mas lá apareciam para passar o
tempo, e todos iam cansados mas felizes. E queriam era mais percursos, mais
caminhadas, como se fosse possível estes momentos serem o melhor remédio, se
calhar são, para mais uma temporada de stress, competições, correrias, zangas,
apitadelas, reclamações, faltas de tempo, angústias pelo futuro e muitas mais questões
que são agora o dia a dia da maioria. A busca da felicidade, numa tentativa em
alguns casos, de recuperar ao mesmo tempo a agilidade passada. As horas foram por
isso ligeiras, de repente estavam todos de novo no já familiar local de
partida, uns tiravam fotos, outros davam se os parabéns por esta conquista de
lutar contra o seu descanso, outros trocavam até números de telefone e
combinavam mais e mais saídas numa sofreguidão de quem quer abranger o céu com
as pernas. Que bela ideia esta de recuperar os velhos caminhos. Que belo
percurso este. Todos a aproveitar os PRs. A nossa terra tem para aí uma dúzia
deles, e segundo por lá ouviu, nenhum é igual ao outro, os motivos da visita
são sempre diferentes, mas os olhos ficam sempre esbugalhados. Adriano para
tudo olhou, recordou o tempo das botas enlameadas, das escorregadelas naquelas
pedras tão incertas, do resfolegar dos touros e da vara que lhes dava força,
dos cantos que se ouviam ao longe misturados com o ruído cantante do carro de
bois. Imaginou os moinhos e viu a brancura da farinha a aparecer nas mós tão
redondas. Num repente sentiu o tempo andar para trás, soltou uma lágrima de
saudade que lhe fugiu sem contar, logo envergonhado se despediu e continuou a
sua vida. Apesar de tudo tinha sorte e continuava a ser feliz. Tinha pessoas
que muito amava à sua espera. Mas antes de partir ainda tomou mais uma
providência, queria fazer outros PR. Arouca não tinha só os Passadiços. Diferentes mas elegantemente belos os percursos podem ser concorrentes de peso.
Arouca pode esperar por ele de novo, agora com toda a família e vai falar com
os amigos. Foi embora como todos os outros, mais preparado para a rudeza da
vida, alma cheia. Arouca tem sempre novas surpresas. Que sorte ter vindo!